Não faz muito tempo que o futuro secretário da Defesa Social de Alagoas, Alfredo Gaspar de Mendonça, se debruçou sobre as peripécias administrativas da ex-prefeita de Piranhas, Mellina Freitas. Anunciada como futura secretária de Cultura do governo de Renan Filho (PMDB), Mellina teria a reprovação do futuro gestor da segurança pública, se este fosse consultado pelo governador eleito. Listar Alfredo Gaspar e Mellina Freitas em uma única relação parece uma luta pela impossível reconciliação da antítese que eles representam. Aliás, já coube ao próprio futuro secretário da segurança pública relacionar a futura colega de governo em uma lista nada honrosa.
Personagem emblemático do combate ao crime e à ilegalidade em Alagoas, o promotor de Justiça Alfredo Gaspar comandou as investigações do Grupo Estadual de Combate às Organizações Criminosas (Gecoc), que identificou e denunciou um desvio de R$ 15,93 milhões de recursos da Prefeitura de Piranhas. E quem foi apontada como chefe da quadrilha? A ex-prefeita peemedebista Mellina Torres Freitas, filha do desembargador e futuro presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ), Washington Luiz Damasceno Freitas.
Depois da antítese, a figura de linguagem que traduz esta investigação é a hipérbole. Foram 455 denúncias formalizadas pelo Gecoc contra Mellina Freitas, que tratou de conquistar um absurdo salvo-conduto concedido pela instituição que deveria representar a Justiça, em Alagoas.
Por meio do Gecoc, Alfredo Gaspar formalizou contra a futura colega de governo 385 denúncias por peculato; 23 por falsidade ideológica; 23 por falsificação de documento particular; 23 por fraudes em licitação; e uma denúncia por formação de uma quadrilha que forjou contratos à revelia dos dirigentes de empresas, para abocanhar quase R$ 16 milhões em verbas para obras como pavimentação de ruas, manutenção de redes de esgoto, limpeza de barragens, reforma de escolas, recuperação de praças, reforma no prédio da prefeitura, estradas vicinais, recuperação de equipamentos esportivos de alguns distritos, e outros projetos que jamais foram realizados.
O Blog não conseguiu consultar nenhuma ação criminal sequer no nome de Mellina Torres Freitas, no portal eletrônico de consulta processual do TJ. A denúncia do Gecoc foi formalizada junto à 17ª Vara Criminal da Capital, a mesma especializada em crime organizado que corre o risco de ser impedida de processar e julgar crimes contra a administração pública neste futuro governo. No nome da ex-prefeita protegida pelo TJ, constam apenas ações civis públicas de improbidade, interpostas pelo seu sucessor na Prefeitura de Piranhas, Dr Dante (afastado do cargo na semana passada).
Cultura em extinção?
Enquanto a indicação de Alfredo Gaspar traz esperança para o alagoano preocupado com o avanço da criminalidade em Alagoas, Renan Filho, ao acolher Mellina em seu governo, parece querer agradar ao futuro presidente do TJ, pai da ex-prefeita. E passa uma mensagem de impunidade, contra a qual Alfredo Gaspar levantou a voz ainda em abril de 2013, quando se viu frustrado pelo salvo-conduto:
“O nosso parâmetro aqui [no Gecoc] é o seguinte: havendo desvio de recurso público e havendo uma quadrilha ativa, nós requeremos uma prisão cautelar. Porque, com a absoluta convicção, diante do poder econômico e político dessa quadrilha, os membros em liberdade causarão transtorno efetivo no desenrolar dessas instruções, pois exercem influência dos mais variados tipos”, concluiu Alfredo, ao se referir aos 12 acusados de serem comandados por Mellina Freitas, nos desvios de recursos em Piranhas.
Desde ontem, boatos de que a Secretaria de Cultura seria extinta movimentaram o meio artístico de Alagoas, que marcou reunião para a noite desta segunda-feira (22). Mas depois do anúncio do nome da futura gestora, muitos deles deverão tratar do tema sob a ótica de uma pasta que caminha realmente para a extinção, de fato. E não deve se tratar de nenhum eufemismo, para encerrar a lista de figuras de linguagem.
Na Defesa Social, espera-se que Alfredo Gaspar tenha forças para atuar com a autonomia de sempre. Mas o receio maior é de que as ações da pasta a ser administrada por Mellina Freitas sejam pautadas pela cultura que insiste em resistir em Alagoas: a cultura do coronelismo.