Por que Jesus Salva?

11/03/2012 13:00 - Psicologia - Gerson Alves
Por Gérson Alves da Silva Jr.
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Numa aula de Análise do Comportamento, na Universidade Federal de Alagoas, uma aluna citava o caso de uma amiga que era espancada pelo esposo e procurou ajuda psicológica. Na história da aluna após o psicólogo avaliar a relação começou a orientar a paciente para sair do relacionamento. Quando a paciente percebeu o rumo que o processo terapêutico direcionava o seu casamento ela pos fim ao processo e decidiu trocar de terapeuta, afinal ainda é mais fácil mudar o terapeuta que trocar de marido. O problema é que o outro psicólogo depois da avaliação começou a dirigir a terapia para o mesmo rumo. O resultado final dessa história é que hoje essa esposa afirma com convicção que todo psicólogo é louco. Mas, poderíamos entender um pouco mais a importância deste relacionamento para esta mulher e dar um outro rumo a essa história?

Digamos que no lugar desta esposa sofrida procurar um psicólogo ela procurasse uma igreja cristã. Lá a liderança religiosa escutaria o sofrimento e sentindo-se iluminado diria: “A esposa santa santifica seu esposo...” (I Coríntios 7.14). Em seguida passaria essa liderança a falar da importância desta mulher aceitar Jesus em sua vida. Assim, afirmaria o líder religioso, o “inimigo” perderá a força. Em outras palavras, satanás não mais impelirá o esposo contra ela. Depois de algum tempo freqüentando essa religião, sendo acolhida pela comunidade e recebendo orientações de pessoas mais experientes a esposa recebe seu marido violento em sua casa depois de mais um dia de bebedeiras. Porém, no lugar de brigar, reclamar ou fazer piadas e chacotas ela o acolhe e cuida dele que mesmo assim reage agressivamente. Todavia, no outro dia ele percebe que sua mulher procurou deixar tudo em ordem, cuidar das coisas dele e mesmo tendo sido vítima de violência o trata com compaixão.

Antes de prosseguir vou abrir um paralelo. Quando eu era garoto passei por uma experiência muito traumática. Acontece que eu andei quilômetros com um primo por ele ter afirmado que minha mãe nos esperava em um determinado local. Quando lá chegamos, ele revelou que havia mentido, eu com muita raiva dei-lhe um soco no estomago, montei posição de guarda e disse: levante para lutar e eu lhe bater novamente. Ele então se ergueu e de modo muito triste disse: caso você queira me bater novamente pode fazê-lo, mas eu não vou reagir. Aquilo me pareceu estranho. Mas, ele continuou: quando chegar em casa a única coisa que farei é pegar minhas coisas e ir embora, mas pode bater que eu irei e não falarei nada para ninguém, porém não voltarei mais aqui para ser seu amigo. Aquilo doeu mais que um soco que ele pudesse ter dado. Retornei o caminho inteiro paparicando ele. Hoje estamos adultos e muitos anos já se passaram, mas ainda sinto vergonha quando estou diante dele.

Retomando a história da esposa sofrida, temos aqui uma tentativa de estabelecer uma condição semelhante. Agora a esposa aconselhada pelo seu novo grupo religioso procura fazer tudo "certo" de modo que o esposo passa a se perceber como um algoz malvado. Trabalhei dois anos na penitenciária e entrevistava presos cotidianamente, todos eles tinham uma justificativa interna para o que faziam, de tal maneira que não se percebiam como malvados. O único que lá encontrei que se percebia verdadeiramente culpado e sem justificativas para o que fez, tentava suicídio todos os dias. Isso deixou claro para mim que ninguém gosta de se reconhecer errado. Portanto, quando alguém não lhe dar chances de você justificar suas agressões o mal-estar que se experimenta é terrível. É um comportamento manifesto com poucas chances de reforço. A esposa então renovada em seus comportamentos devido às orientações de sua comunidade religiosa, agora começa a perceber o desconserto e o mal-estar do esposo.

Os dias passam, os meses passam e a esposa continua impecável em sua missão de não dar brechas para o “inimigo” que tenta destruir seu lar. Na verdade, esse “inimigo” pode ser entendido como um simbolismo que ajuda as pessoas a tirarem a culpa e a responsabilidade de si e dos outros ficando mais fácil o processo de reabilitação. Por exemplo, quando pessoas procuram ajuda psicológica e lá admitem sentimentos de culpa, muitos psicólogos cognitivistas dizem que o problema não é do sujeito, mas do comportamento ou da doença que ele sofre. Daí por diante é fácil vermos pessoas narrando que não são culpadas e que o problema está em um transtorno ou em um comportamento que ela está lutando para melhorar. Isso diminui a ansiedade e quebra círculos viciosos. Do mesmo modo funciona quando as pessoas põem a culpa no diabo, isso lhes coloca como um observador do problema (um comportamento) que não faz parte da totalidade comportamental do sujeito. Assim quando a esposa começa a atribuir o comportamento do esposo a influência do “inimigo”, do diabo, ela trabalha e exercita a sua observação e a observação do próprio esposo sobre ele e o comportamento geral da família destacando os comportamentos problemas. Isso possibilita o vislumbre de categorias de comportamentos que seriam apropriados para um bem comum e outro conjunto de comportamentos que traria sofrimento e dores para a família e, portanto, passam a serem classificados como comportamentos satânicos. O bom deste esquema é que as pessoas conseguem ver naquele que é visto sob influência do mal, um ser bom que simplesmente está sendo usado e por isso adota determinadas posturas destrutivas. Temos com isso uma boa base para começar a mudança. O esforço da esposa de não permitir que o agressor encontre justificativas (reforços) começará a causar efeito.

O agressor possui esquemas de reforço que se baseiam na discriminação de que seu comportamento é necessário para fazer valer sua força, para manter sua condição de dominância dentro da família, para “educar” a esposa, etc. O problema é que tudo isso está ocorrendo agora antes da agressão surgir, ou seja, a esposa reconhece sua força, aceita sua dominância e adota posturas confortáveis para o marido, antes dele fazer essas exigências. Isto gera a sensação de educador ou controlador desnecessário para o esposo. Assim, caso ele ainda manifeste comportamentos agressivos, a acusação da esposa de que aqueles comportamentos são descabidos e por isso devem ser fruto de alguma coisa maligna, ganha um eco diferente. Os reforçadores que mantinham o comportamento foram manifestos antes do comportamento ser apresentado, o sujeito então que continua exibindo um comportamento inadequado não consegue mais explicar, nem encontrar razões para mantê-lo o que provavelmente reduzirá a frequência do mesmo.

Na verdade, o que essa esposa conseguiu com a ajuda da comunidade religiosa foi modificar o seu ambiente doméstico, conseguiu modificar suas posturas com o esposo e com isso o comportamento do esposo também acaba sendo modificado. O que Jesus tem haver diretamente com isso? Para ateus e para crentes fica visível que não há nenhuma energia ou força sobrenatural, mas há o modelo de comportamento bastante assertivo de Jesus que passa a ser imitado e copiado. É por isso que esse modelo funciona na orientação e modelação de muitas famílias e pessoas, mesmo quando os líderes religiosos estão preocupados apenas com enriquecimentos e práticas pedófilas.

Nesta situação hipotética que produzimos podemos imaginar que posteriormente esse esposo desconsertado entra em contato com o líder religioso que o reforça para observar detalhes comportamentais que ele não observava antes. O líder reforçará a mudança de comportamentos e o colocará como protetor e provedor da família. Explicará que os comportamentos anteriores só iriam afastar sua esposa dele e fazê-la um dia entrar numa vida "mundana" ou a ter contato com outros homens que exerceriam mando sobre seus filhos. O líder utilizará exemplos do cotidiano e diria: “você vai ao bar e lá às vezes nem quer beber, mas a conversa dos amigos lhe prende e por mais que você não queira acaba bebendo”. O líder informa que essa força que o prende e o leva a fazer coisas que não queria é o demônio. O marido acredita e se afasta de ambientes que o demônio possa dominá-lo (punição negativa). Para um analista do comportamento não importa se ele afastou-se por medo do demônio ou porque compreende que o nosso comportamento está em função do ambiente e das coisas que nos relacionamos, pois para um analista do comportamento o importante é ver que como ele modifica os ambientes, seus comportamentos certamente também serão modificados. Esse é o ponto chave: mudança no ambiente e nas relações representa novas aprendizagens, novas formas de encarar e se comportar no mundo. Não precisa ter o demônio ou nada mais aí nesse processo para o comportamento se modificar.

Um indivíduo já condicionado a fazer uso de bebidas ou qualquer outra substância, uma vez que se encontre num ambiente propício, inevitavelmente irá ter aumentado as suas chances de apresentar o comportamento de beber ou usar substâncias químicas. O nome disso é repertório comportamental e é construído por esquemas de reforçamento e não pela influência demoníaca.

Psicólogos não podem estar alheios a esse processo e achar que os sistemas religiosos não manipulam o ambiente de modo a causar um impacto representativo na vida das pessoas. Pois, as pessoas vêem diariamente casos de dependentes químicos que saíram deste universo de drogas graças à participação religiosa, casos de pessoas agressivas, ladras, promiscuas, depressivas, homicidas, etc. que modificaram estruturalmente seu comportamento graças ao convívio religioso. Porém, os religiosos precisam também reconhecer que muita gente se envolve com o processo religioso, mas não modificam hábitos velhos e nocivos. Para muitos fanáticos isso ocorre porque essas pessoas não aceitaram Jesus verdadeiramente em suas vidas, em outras palavras, porque não se converteram de verdade. Mas, a resposta certa para esta questão surpreende tanto a psicólogos como a religiosos.

Nenhum psicólogo irá conseguir uma mudança real na vida de seus pacientes se ele não modificar o ambiente e a forma como este se relaciona com o ambiente a partir de novas aprendizagens. Em resumo, pouco se consegue restringindo-se a um consultório com atendimentos de 50 minutos com intervalos de sete dias de um atendimento para o outro. Estão mais próximos de acertar os religiosos que afirmam não ter havido uma entrega completa a Jesus. Mas, eles acertam mais que os psicólogos não é pela ação direta de Jesus operando na vida das pessoas como eles acreditam. Eles acertam mais porque passam a exigir uma mudança e novos hábitos a partir de uma participação na comunidade de forma mais efetiva. Em outras palavras, eles acabam modificando o ambiente de relação e proporcionando novas aprendizagens ao sujeito. Todo religioso sabe que não adianta apenas ir para o ambiente religioso e não começar a exercitar os novos modelos de vida que são propostos há milênios de anos por diferentes sistemas religiosos. Assim, os psicólogos devem criar práticas de mudanças ambientais e relacionais de seus pacientes do mesmo modo que as comunidades religiosas fazem, pois de outro modo não haverá mudança na vida dessas pessoas.

Só é possível mudar o olhar de uma pessoa sobre uma situação proporcionando novas aprendizagens e essas só são possíveis criando-se as condições favoráveis. O erro de muitos ateus é não verificar as condições que determinam certas aprendizagens que promovem uma estrutura social melhor. Existe erro em não dar importância ao que está por trás do simbolismo das recomendações religiosas, bem como, não olhar de modo funcional propostas e modelos de comportamentos testados de forma secular.

O salário do pecado é a morte” (Romanos 6.23). Porém, longe de sermos religiosos, nitidamente quem leva uma vida sem coerência e avaliação comportamental ampla acaba com muitos prejuízos na vida. Pois, nosso comportamento é resultado das consequências. As ações do homem modificam o mundo e esse por sua vez passa a exigir novas posturas do homem nele, como muito bem frisa Skinner em sua obra: O comportamento verbal. Assim, não está errado acreditar que "tudo o que o homem semear, isso também ceifará" (Gálatas 6.8).

Para a maioria dos psicólogos fica mais fácil simplesmente aconselhar a sair de uma relação, sem necessariamente fazer as pessoas analisarem o fato de que toda relação traz problemas quando não construímos um ambiente que favoreça aprendizagens e convivência saudáveis. O mundo moderno orienta as pessoas a saírem de uma relação e entrarem em outra sem avaliar todos os fatores envolvidos nesse processo. Pois, nem sempre o que parece mais fácil será melhor em longo prazo.

Diante do exposto podemos finalizar e responder a pergunta inicial que encabeçou o título deste texto: por que Jesus salva? Jesus salva porque longe de ser um fanático religioso de seu tempo ele era um homem coerente que procurava avaliar o impacto de suas ações sobre o mundo e sobre as pessoas que lhe circundavam. Jesus salva porque levava as pessoas a avaliar em longo prazo os ganhos e perdas dos seus comportamentos e concomitantemente proporcionava um ambiente de convivência que condicionava mudanças nas pessoas. Por isso tudo Jesus continua sendo utilizado como um ótimo modelo para milhares de pessoas ainda hoje. Essas pessoas encontram no convívio de certas comunidades o amparo e acompanhamento necessário para mudanças de comportamentos mesmo percebendo que seus líderes são movidos por dinheiro e ganhos particulares. Deste modo, não apenas Jesus, mas muitos outros vultos da história se tornam excelentes modelos para impactar na vida das pessoas e ajudarem estas a encontrarem nas estratégias de modelação saídas para suas dificuldades. Porém, a vantagem das religiões é que elas dão maior ênfase à necessidade de uma comunidade e uma mudança de ambiente. Pois, a maioria dos outros vultos históricos, muitas vezes, deixam a impressão que se tornaram grandes sem circunstâncias específicas que favoreceram o seu desenvolvimento e ação. O comportamento do religioso ou do ateu é sempre resultado da interação com o ambiente.

Assim eu analisei, assim eu conto para vocês.

 

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