R$ 377 milhões: até os mais otimistas apostadores da loteria não imaginariam um prêmio tão grande. R$ 377 milhões representam mais que um “bilhete premiado”, a cifra revela a cara da corrupção em Alagoas durante quase cinco anos.
O valor é o resultado de investigações da Polícia Federal, que resultaram em operações entre janeiro de 2007 e setembro de 2011 em Alagoas para combater a corrupção e o desvio de verbas no estado.
Com os R$ 377 milhões desviados dos cofres públicos seria possível resolver problemas no estado, como construir cerca de sete mil casas populares, que custam em média R$ 50 mil, e diminuir o déficit habitacional existente em Alagoas.
As ações da PF resultaram em ações dos Ministérios Públicos Estadual e Federal, que deram origem a processos na Justiça. No entanto, nenhum centavo do que foi desviado foi ressarcido ao erário. As investigações, que tiveram como desfecho as operações da Polícia Federal, apontaram que nas situações onde os valores dos desvios foram mais altos havia a participação de políticos e pessoas que já exerceram ou exercem cargos públicos em Alagoas, como foi o caso da Navalha, Taturana, Mascotch e Tabanga.
Segundo Daniel Grangeiro, titular da Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal em Alagoas (DRCOR), a PF está focando o trabalho no viés financeiro das quadrilhas e tentando trabalhar com grupos menores de acusados nos inquéritos para facilitar a instrução criminal no andamento dos processos.
Grangeiro colocou que a Polícia Federal está intensificando as investigações de desvio de verbas no Nordeste já que a demanda é grande na região. O delegado atribui esse tipo de crime cometido em Alagoas e outros estados nordestinos aos resquícios do coronelismo. “Os prefeitos querem fazer feudos nas cidades e o resultado é esse que estamos vendo”, frisou.
Sobre a condenação dos acusados e o ressarcimento do dinheiro desviado dos cofres públicos, Grangeiro diz que enquanto não houver celeridade nos processos a sensação que fica é a de impunidade. “As ações de improbidade têm sido muito importantes, até porque elas são bem céleres e é bastante interessante quando se consegue o bloqueio dos bens porque se tem a garantia do retorno do dinheiro roubado”, afirmou.
O delegado ressaltou ainda a importância da parceria da PF com órgãos como o Ministério Público Federal e a Controladoria Geral da União para o sucesso das investigações. Ele disse também que devido ao grande número de casos envolvendo desvio de recursos públicos, existe na Polícia Federal o projeto para se criar uma delegacia especializada nesse tipo de crime.
Ações
O procurador da República José Godoy explicou que em todas as operações cabem dois tipos de ação: cível e penal. O Ministério Público Federal em Alagoas (MPF) é o responsável por propor, no caso de desvios de verbas oriundas da União, as denúncias. Godoy afirmou que o MPF ingressa com ações de improbidade administrativas (na seara cível) e ações penais.
Indagado sobre a “demora” para o julgamento de acusados de desvios federais em Alagoas, o procurador diz que apesar de o andamento do processo não ter a velocidade esperada pela população, a sociedade terá resposta para todos os casos. Para Godoy, a falta de celeridade acaba dando continuidade aos desmandos quando se trata de verbas federais em Alagoas.
“Da Operação Carranca, por exemplo, o processo está na fase das alegações finais, da Mascotch, o processo está na fase inicial e na Tabanga, foi dado início à ação penal”, explicou o procurador.
Sobre a devolução das verbas federais desviadas durante as operações, Godoy contou que o fato de o MPF conseguir bloquear bens móveis e imóveis dos acusados de desvio é considerado uma vitória. “Isso é uma garantia de que o dinheiro voltará aos cofres da União”, frisou.
Em relação à possibilidade de não condenação dos acusados, o procurador disse que a falta de punição fomenta a impunidade.
“O que acontece em Alagoas não é uma realidade apenas local, é verdade que os nossos números são muito altos. Um recente relatório da Controladoria Geral da União (CGU) mostrou que 40% das verbas federais são desviados em Alagoas. No caso de Traipu, por exemplo, a cidade tem o terceiro pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do País e é assolada por um histórico de má gestão. O que acontece infelizmente é que esses gestores são eleitos pelo povo o que nos obriga a viver com coisas que não concordamos”, opinou Godoy.
Controle das verbas
Com tantas operações no estado para combater desvio de dinheiro dos cofres públicos, um dos grandes questionamentos é o quanto desse repasse deixa de chegar ao seu destino final. Uma declaração dada em 2009, pelo então chefe da CGU em Alagoas, Arnaldo Flores, de que 40% do que vinha da União para o estado era desviado gerou polêmica.
Segundo o atual chefe da CGU no estado, Cláudio Vilhena, não se pode quantificar esses valores. Ele disse que as afirmações de Flores foram equivocadas, pois não se pode generalizar a situação. “O que acontece com um recurso pode não acontecer com outro, por isso não temos esses números”, colocou.
Sobre o papel da CGU no combate ao desvio de verbas, o chefe do órgão em Alagoas explicou que a função é de controle e atividade complementar. A obrigação de fiscalizar, complementa ele, é de quem faz o repasse do recurso, como por exemplo os Ministérios da Educação e Saúde. “Mas, como nem sempre existe uma estrutura para a fiscalização, a CGU entra para auxiliar o trabalho. A gente também não pode fiscalizar tudo, porque a nossa estrutura é pequena”, afirmou Vilhena.
Em relação às operações da Polícia Federal e a participação da CGU nessas ações, Vilhena colocou que em cada situação ocorre uma sistemática de trabalho diferente. O chefe da CGU em Alagoas lembrou na Operação Guabiru, deflagrada em 2005, as investigações começaram com a Polícia Federal, que depois pediu a ajuda da Controladoria para analisar o material apreendido.
“Já nos casos mais recentes, envolvendo desvio de recursos para a merenda escolar, a CGU trabalhou com a Polícia Federal. Então, houve desde o início um trabalho conjunto entre a Polícia, a CGU e o Ministério Público Federal”, disse Vilhena.
Não falando em números concretos, o chefe da CGU colocou que é “complicado’ quantificar os desvios já que os dados são analisados, mas muitas vezes esse montante engloba todo o valor roubado dos cofres públicos não considerando que parte do repasse chegou a ser aplicado. “No caso da merenda escolar, foi detectado o desvio por ter fraude na licitação, onde existia um conluio entre empresários e prefeitura para isso, mas existiu alguma merenda, o que significa que o recurso não foi totalmente desviado”, observou.
Sobre o fato de haver políticos “reincidentes” em casos de desvios de verba e indagado se o fato de não haver punição “a curto prazo” estimula a corrupção, Vilhena afirmou que falar sobre o assunto seria entrar na esfera de outros órgaõs.
“A CGU fiscaliza e é circunstancial quem é o responsável, já os outros órgãos, como a Polícia e o Ministério Público, precisam apontar quem são as pessoas responsáveis, para a CGU temos que apurar os fatos, quanto à demora ou não demora já entra em outros órgãos e não é conveniente a CGU se pronunciar sobre o trabalho dos outros”, disse.
Sobre o índice de corrupção no estado, Vilhena colocou que a CGU visa combater essa prática. Ele explicou que a Controladoria realiza uma fiscalização por sorteio, onde municípios recebem a visita de representantes da CGU. “A gente sabe que a quantidade é pouca tendo em vista a quantidade de cidades brasileiras, mas com isso buscamos dar o exemplo para que outros municípios que, por ventura, não estejam aplicando os recursos de maneira correta tenham uma maior cautela”, relatou.
Mas, para quem pensa que recurso mal aplicado é apenas fruto de corrupção e roubo aos cofres públicos, Vilhena diz que é comum situações onde o dinheiro recebido por algumas cidades não é gerido da maneira correta por falta de conhecimento.
“Temos programas para mostrar como deve ser aplicado. Quando se fez isso porque não tinha conhecimento, a CGU vai lá e orienta. A lei não é tão fácil e há vezes em que ocorrem erros. Agora, nas situações em que ocorre má-fé aí não tem fiscalização que dê jeito”, observou.
Vilhena chamou a atenção para o fato de quem em algumas situações, a prática criminosa se espalha entre cidades de Alagoas. “A realidade é que a maioria das pessoas que trabalha nos municípios mora em Maceió, geralmente tem empresas que atuam em vários lugares, então quando tem algo inadequado termina se espalhando, já diferente de um estado maior como o Pará, por exemplo. Mas, o que acontece aqui não é privilégio de Alagoas, em todo o País há situações que precisam de correção”, opinou ele.
A reportagem do CadaMinuto entrou em contato com o secretário geral do Tribunal de Contas da União em Alagoas, Ricardo Fahr Pessoa, para saber como o órgão fiscaliza a utilização de verbas federais no estado. Pessoa informou que não concederia entrevista sobre o assunto.
Coronéis e marechais
Para a líder comunitária Vânia Teixeira, a grande quantidade de dinheiro público desviado em Alagoas serve para reforçar a descrença da população na classe política. “Aqui em Alagoas, ainda existem os coronéis e os marechais, e no fim das contas quem paga por tudo isso é o povo. Não acredito em político”, disse ela, acrescentando que em época de eleição é procurada por candidatos.
Vânia afirma ainda que o dinheiro desviado em Alagoas poderia ser usado não apenas para a construção de casas populares, mas também para a qualificação profissional das pessoas de classes sociais menos favorecidas. Ela conta que se mudou com outras famílias para a parte alta da cidade, ao deixar a orla lagunar, mas lá há poucas oportunidades para se trabalhar e ganhar dinheiro.
“Não adianta apenas mudar a gente de lugar, sem perspectivas. Muitas pessoas saíram da lagoa e era de lá que tiravam o seu sustento. Não adianta apenas dar casa, tem que dar possibilidade de crescimento. Mas, porque o governo também não investe em educação? Imagine mais de R$ 300 milhões investidos para que as pessoas estudem, mas quando a pessoa estuda fica mais esclarecida e isso não é bom para os políticos”, desabafou Vânia.
A líder comunitária questionou ainda o patrimônio de algumas autoridades do estado. Para ela, em determinadas situações isso pode ser fruto de apropriação de verba púbica. “É engraçado, porque quando um de nós compra algo, as pessoas já olham diferente querendo que a gente se explique. Chega até a ter denúncias para saber como compramos, mas com os políticos, isso não acontece”, disse.
Indagada se acredita que o estado poderá se livrar da corrupção, a líder comunitária é enfática.
“Alagoas só muda com pessoas de coração bom”, frisou salientando que se o dinheiro roubado dos cofres públicos fosse aplicado não apenas em educação e moradia, a realidade da população seria outra. “Precisamos de saúde e lazer também, não queremos projetos bonitos apenas na foto, queremos projetos que contemplem as nossas necessidades. É roubo de todo jeito e temos que acabar com isso”, afirmou.
Operações da PF em Alagoas de janeiro de 2007 a setembro de 2011 que tiveram como alvo combate à corrupção e desvio de recursos públicos:
Bengala: R$ 1 milhão
Navalha: R$ 14 milhões (valor em Alagoas)
Carranca: R$ 20 milhões
Taturana: R$ 300 milhões
Denário: R$ 6 milhões
Caetés: R$ 8 milhões
Mascotch: R$ 8 milhões
CID-F: 12 milhões
Tabanga: R$ 8 milhões
Total: R$ 377 milhões