O estado conseguiu fazer-nos iguais na hora da eleição e do voto, mas desiguais na partilha das riquezas sociais

20/02/2011 17:14 - Raízes da África
Por Arísia Barros

A mulher usava uma touca de meia calça na cabeça,ao lado duas meninas e um homem, tudo levava a crer, pelos gestos de intimidade, ser o marido.
Eram nove horas da manhã, na Cidade Sorriso, de um domingo bisonho, com cara de madrugada. A chuva menina com pequenas gotículas, aqui e acolá, fazia a manhã ficar preguiçosa.
A mulher com as duas meninas e o homem que parecia ser marido estavam sentados à beira da grama de um requisitado hotel da orla de Maceió, conversavam, em um diálogo alimentado por um pequena garrafa de aguardente e uma posta de peixe, embrulhada em papel. Beliscavam o petisco com a veneração de mesa farta.
As meninas tomavam um raso café em copos de plásticos e ouviam atentas a conversa dos supostos responsáveis com outro homem. A mais velha deveria contar entre oito a doze anos, vestia calça cor de rosa com uma blusa azul de mangas laranja. A outra menina, entre cinco e oito, vestia short vermelho e camisa de cor indefinida, com mangas também coloridas.
Portavam o colorido desordenado da pobreza que se abriga em vestes alheias jogadas no “mato”. As duas meninas apresentavam uma sujeira corporal de dias, a mulher que parecia ser a mãe servia de modelo às crianças.
O homem com aparência gestual de marido já trazia no semblante os estragos provocados pela vida regrada sob o sol da miséria e do álcool.
Na manhã de domingo, dia de reunir a família cristã em torno da mesa posta do almoço, a mulher de touca de meia calça na cabeça promovia uma reunião pública com sua família , as nove horas da manhã, em torno de uma garrafa de aguardente e uma posta de peixe embrulhada em papel, na orla paradisíaca da grande Maceió, capital marcada pela pobreza, de sua ampla minoria minorizada.
Pobreza acima da média do Nordeste, em um estado-Alagoas- que agrega uma das populações mais pobres, entre os pobres do Brasil. Uma multidão anônima que vive graças às políticas federais e de transferência de renda.
Alagoas é um estado federalizado celebrando, continuadamente, a distância exagerada entre o bem estar comum e a mera sobrevivência coletiva.
No domingo sem o brilho esplendoroso do sol a família, desgarrada das políticas públicas imprimia uma imagem anêmica à paisagem social.
E o olhar naturalizado da média alagoaneidade sem interpretar que a violência surge como uma resposta a ausência do contrato estatal com o bem estar da população tutelada, reclama indignada:
Bando de cheira-cola!!
O estado conseguiu fazer-nos iguais na hora da eleição e do voto, mas desiguais na partilha das riquezas sociais e adversários de nós mesmos, como uma massa de pequenas pessoas invisíveis e despolitizadas.
Ególatras seres sociais estamos, hoje, sós em nossas ilhas nucleares.
E no domingo da família cristã continuamos nos reunindo à mesa do almoço com nosso umbigo.
Trancafiad@s!
 

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