Aproveitando o ensejo da morte do Santo Padre, o Papa Francisco, 266º Pontífice Romano, Pastor universal da Igreja Católica, iniciaremos uma série de catequeses sobre o Papado. Esta instituição bimilenar foi instituída pela vontade fundacional de Cristo para a sua Igreja. O povo de Deus precisa ser constantemente evangelizado e catequizado. Cada geração, herdeira da fé eclesial, necessita aprofundar a fé acolhida. Pensando em tudo isso, daremos início para que o fiel leitor possa conhecer melhor a fé em que crê e “dar razão de sua esperança” (cf. 1Pd 3,15).

Nesta primeira catequese da série, abordaremos o que é o Papado e sua origem. A palavra "Papa" vem do latim Pater, sugerindo a ideia de pai em nosso português. Afetuosamente afirmado: papai. No início, os pastores da Igreja eram chamados indistintamente de pai, graças à função espiritual e pastoral que exerciam sobre seu rebanho. Somente a partir do século VI, o termo ficou reservado ao Bispo de Roma. Este, na comunidade Igreja, sempre gozou de profunda estima e admiração; tal fato se deve, em grande parte, à cátedra que ocupava, a sede que o apóstolo Pedro ocupou antes de ser martirizado, aproximadamente no ano 64, sob o imperador Nero, na Cidade Eterna. Daí os cristãos creem que o Papa, isto é, o Bispo de Roma, é o sucessor do ofício exercido por Pedro.

Mas qual o fundamento do papado? Uma construção simplesmente histórica ou uma realidade querida por Deus para sua Igreja? Para responder a esta pergunta, voltemos à fonte da nossa fé, a revelação divina, testemunhada na Escritura.

Antes, tenhamos por certo o que a Lumen Gentium afirma: “A Igreja, em Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano” (n.1). Falar em Igreja, em comunidade dos fiéis em Cristo, supõe uma comunidade entre os homens. A Igreja é formada por homens e estes, no interior dessa grande comunhão com Deus e entre si, possuem uma variedade de vocações, serviços e funções. Todos são chamados ao seguimento de Cristo para desfrutarem da graça da salvação outorgada pelo Senhor Jesus. Todos têm uma mesma finalidade, que se traduz em um chamado universal: a santidade de vida, isto é, a participação plena na vida do Deus Uno e Trino.

Articulada neste mundo como uma societas (LG, n. 8), a Igreja foi dotada de uma estrutura organizacional. Comunidade carismática e espiritual, a exemplo do seu fundador e fundamento, Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, a Igreja possui sua face humana e histórica. Nessa societas, como já lembrado, há a igualdade fundamental dos fiéis em Cristo, pelo batismo, mas também existe a diversidade vocacional, isto é, a diversidade de tarefas, expressão do atuar pneumático. Pois bem, um desses ofícios ou órgãos estruturantes é o Papado, cujas raízes se deitam no ministério de Jesus Cristo.

Fato historicamente comprovado é que Jesus de Nazaré congregou em torno de sua pessoa uma comunidade de discípulos. Os evangelhos narram a chamada que Jesus faz a estes homens (cf. Lc 5,10; Mt 4,19; Jo 1,37-39). Dentre os discípulos, Jesus escolheu doze homens para constituírem o colégio Apostólico, que deveriam permanecer com Ele e depois ser enviados em missão (cf. Mc 3,14-15). Jesus escolhe o pescador da Galileia, Simão, e lhe dá uma missão especial. Essa missão fica evidenciada no primeiro encontro de Jesus com Simão, quando este ouviu de Jesus, ao olhar fixamente para si: “Tu és Simão, filho de João; serás chamado Cefas (que quer dizer pedra)” (Jo 1,41).

Certo dia, quando andava na Cesareia de Filipe, Simão ouviu as solenes palavras de Jesus, após ter feito a confissão de fé em sua messianidade: “Jesus, então, lhe disse: Feliz és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isso, mas meu Pai que está nos céus. E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16,17-19).

Investido com o nome novo: Pedro. Investido de uma nova missão: ser, entre os que pertencem a Cristo, a rocha visível que aponta para Cristo, a Rocha. O ponto de unidade entre os que creem em Cristo. Herda as “chaves” do Reino dos Céus, isto é, a potestade sobre a comunidade dos crentes. Tudo isso traduzido no serviço à Igreja, que é sempre do Cristo Senhor. Recebe a promessa de que, mesmo em meio às adversidades e percalços, a Igreja será sempre socorrida por seu Senhor, gozando de uma misteriosa estabilidade e não sucumbirá às investidas infernais.

O fraco Simão, pela graça de Deus, será a Pedra firme na qual a comunidade ficará coesa, aquele que deverá “confirmar os irmãos na fé” (cf. Lc 22,32). Tamanha missão fez com que o Salvador rezasse especialmente por ele: “Eu roguei por ti, para que tua fé não desfaleça” (Lc 22,31-32).

Simão Pedro, em sua fraqueza, nega Jesus, mas após a morte e ressurreição de Jesus tem o encargo confirmado solenemente três vezes: “Jesus perguntou a Simão Pedro: Simão, filho de João, amas-me mais do que estes? Respondeu ele: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe Jesus: Apascenta os meus cordeiros. Perguntou-lhe outra vez: Simão, filho de João, amas-me? Respondeu-lhe: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe Jesus: Apascenta os meus cordeiros. Perguntou-lhe pela terceira vez: Simão, filho de João, amas-me? Pedro entristeceu-se porque lhe perguntou pela terceira vez: Amas-me? E respondeu-lhe: Senhor, sabes tudo, tu sabes que te amo. Disse-lhe Jesus: Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 15-17).

O Apóstolo Pedro exerceu inegavelmente uma liderança entre os apóstolos do Senhor. Ele é sempre o primeiro a ser elencado no colégio Apostólico (Mt 10,2; Mc 3,16 e Lc 6,14; At 1,13). Jesus paga o imposto em seu favor (Mt 17,24-27); muitas vezes foi o porta-voz dos discípulos (Jo 6,68; Mc 8,29; Lc 18,28). Presenciou eventos privilegiados ao lado de João e Tiago (cf. Mt 17,1; 26,37; Mc 9,2; 14,36; Lc 8,51). A barca de Pedro foi adotada como a “barca” (cf. Mc 3,9), a partir da qual Nosso Senhor Jesus Cristo exortava seus ouvintes (cf. Mc 4,1).

Foi o apóstolo Pedro que, após a ressurreição, fez desassombradamente a proclamação do Querigma, o primeiro anúncio convidando os homens à conversão e à fé (At 1,15; 2,14); foi por meio dele que Deus sinalizou o ingresso dos pagãos na comunidade cristã (At 10,1-37). Participou ativamente no primeiro Concílio da Igreja, o concílio de Jerusalém, fazendo um convincente discurso, ouvido silenciosamente por todos os presentes (At 15,7-12). Quando Pedro, por causa do nome de Jesus, estava no cárcere, a Igreja toda se colocou em oração (At 12,5). Por ocasião do anúncio do túmulo vazio, há um detalhe significativo: o discípulo amado, mesmo chegando primeiro ao túmulo, não entra, mas aguarda Pedro entrar (Jo 20,4-6), sinal inequívoco de que, nas comunidades joaninas, a figura de Pedro possuía preeminência. Sem sombra de dúvidas, o NT deixa transparecer o importante papel e missão exercidos pelo Apóstolo Pedro, junto com todo o colégio dos apóstolos.

Mas aqui cabe a seguinte pergunta: este ofício exercido pelo apóstolo Pedro não deveria desaparecer com sua morte? A resposta afirmativa vem daqueles que, não podendo esconder o que é evidente no Novo Testamento – a primazia de Pedro –, se recusam a admitir a perpetuidade da Missão de Pedro. A Missão de Pedro, respondemos, é uma participação na Missão de Cristo, e esta durará até a parusia do Senhor Jesus, em glória e poder. Não é inteligível que a missão conferida a Pedro se extinguisse com sua morte. À pergunta superior, respondemos claramente: o ofício de Pedro continuará até o regresso de Cristo! Pedro, morrendo, outro lhe sucedeu, e a tradição da Igreja elenca os nomes de seus sucessores em uma lista ininterrupta de 266 nomes: Lino, Anacleto, Clemente, Evaristo... Pio XII, João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II, Bento XVI, Francisco...

Reparem, irmãos, que nenhum Papa escolhe o nome de Pedro, pois todos são o mesmo Pedro! Por meio de quem, Jesus, o Pastor do rebanho, continua a apascentar suas ovelhas! Daí a atribuição de certos títulos ao Bispo de Roma: Vigário (Representante) de Cristo, Servo dos Servos de Deus, Pontífice Romano, Santo Padre.

Há, por fim, uma explicação acróstica do termo PAPA que bem salienta sua ligação com o Apóstolo: Pedro Apóstolo Príncipe dos Apóstolos. Os bispos de hoje são sucessores dos apóstolos no sentido geral, mas somente o Papa de Roma é o sucessor de um bispo particular, localizável: Pedro.

Uma outra dúvida surge quando se coloca em questão se Pedro, de fato, foi bispo na cidade de Roma. O próprio Novo Testamento atesta isso. No corpo dos escritos neotestamentários, temos a presença de duas cartas atribuídas a Pedro. Em uma delas, há a seguinte menção: “A igreja escolhida de Babilônia saúda-vos, assim como também Marcos, meu filho” (1Pd 5,13). “Babilônia” era um codinome para a cidade de Roma paganizada (cf. Ap 17,5;18,10); o autor do escrito se encontrava naquele local, portanto.

Alguns Padres da Igreja, isto é, escritores cristãos dos primeiros séculos, atestam a presença de Pedro em Roma: São Clemente Romano (96) e Santo Irineu de Lion (180). Eusébio de Cesareia (317), escritor eclesiástico da antiguidade, afirma contundentemente que Pedro exerceu seu episcopado em Roma (História eclesiástica). A arqueologia vem em favor da fé católica e confirma-a por meio da seguinte inscrição: PÉTRUS ENÍ, Pedro está aqui, referindo-se ao local do seu sepultamento.

Por ora, é isso. Depois continuaremos vendo como a missão do Papa se concretiza na Igreja.

Pe. Sérgio Ricardo Soares de Oliveira.

Pároco da Paróquia Universitária de Santa Teresinha de Lisieux, Doutora da Igreja.