O Papa Francisco não foi unanimidade. Nem tentou ser.

Ele preferiu ser farpa na consciência adormecida da Igreja e do mundo. Preferiu o desconforto da verdade ao silêncio conveniente da omissão. Desde que subiu ao trono de Pedro, o fez como quem desce à periferia da alma humana. Escolheu o nome de um santo pobre para lembrar à Igreja que o luxo sempre será um escândalo.

“É melhor ser ateu do que um católico hipócrita”, disse ele certa vez. E isso bastou para os fariseus modernos torcerem o nariz. Mas Francisco sabia: fé sem coerência é teatro. Missa sem compaixão é encenação. Doutrina sem misericórdia é opressão.

Ele abriu portas, enfrentou muros e desafiou castelos. Falou com transexuais, pediu perdão pelos erros da Igreja, denunciou a pedofilia clerical sem meias palavras. Foi atacado por dentro e por fora. Chamaram-no de comunista, de herege, de populista. Ele respondeu com oração, silêncio e, quando necessário, com firmeza.

Francisco jamais relativizou a fé — mas humanizou a sua prática. Fez do Evangelho um verbo vivo. Tirou a Igreja dos palácios e a colocou de novo entre os pobres, os refugiados, os descartados do sistema.

Não foi perfeito. Nenhum Papa é. Mas foi profundamente necessário.

E talvez o gesto mais poderoso de seu pontificado tenha sido o mais silencioso: durante a pandemia, quando o mundo parou e o medo tomou conta de tudo, Francisco caminhou sozinho pela imensidão vazia da Praça de São Pedro. Sob a chuva, em absoluto silêncio, rezou pelo mundo. Uma imagem que marcou a história — um pastor solitário diante do sofrimento coletivo da humanidade. Ali, mais do que nunca, ele representou a fé que sustenta, a esperança que resiste e o amor que não abandona.

Num mundo doente de vaidade, Francisco pregou o cuidado. Num tempo de muros, construiu pontes. Num século de algoritmos, insistiu no valor do abraço.

Francisco partiu, mas seu legado grita. E gritará por gerações. Ele fez história não por carregar a cruz papal, mas por carregá-la como Cristo: com compaixão, firmeza e entrega.

Hoje, a Igreja se despede de um Papa que não teve medo de ser controverso — porque foi, acima de tudo, profundamente cristão.

Francisco, o Papa do povo. O Papa do incômodo. O Papa que amou como quem crê.