Quando o argentino Jorge Mario Bergoglio assumiu o comando do Vaticano, doze anos atrás, muita gente acreditou que ele tocaria o terror com uma revolução comunista na Igreja Católica. Morto nesta segunda-feira, aos 88 anos, o legado de Francisco é amplo e diverso. Ele chegou falando em nome dos excluídos da grande farra do planeta endinheirado. Deixou clara sua disposição para o diálogo com as periferias do mundo. Pregou tolerância e respeito a grupos historicamente discriminados. Não é pouca coisa.

Foi o suficiente para carolas e reacionários acusarem o homem de “comunista” e “herege”. Parece que os cidadãos católicos de bem emparelham esses dois traços na mesma categoria de “crime”. Faz sentido. A jornada do Papa Francisco começa em 2013, aquele ano louco em que a extrema direita destampa os bueiros e emerge do esgoto como nunca se viu. Claro que o pontífice estava bem distante de radicalismos.

Ao longo dos anos, porém, a cantilena dos rapazes de fé em Jesus seguiu a toada. Na imprensa brasileira, doidivanas como Augusto Nunes, Rodrigo Constantino e outros “denunciavam”, de forma recorrente, a “traição” do papa aos valores do “verdadeiro cristianismo”. Aqui em Alagoas, santinhos da política e seus acólitos seguem essa teoria do “papa esquerdista”. Por eles, a Inquisição deveria ser reinstituída.

Jorge Bergoglio tem sua trajetória fortemente ligada à política da Argentina, sobretudo durante a ditadura militar nos anos 1970. Não faltam controvérsias em sua atuação naquele período, com a suspeita até de que tenha colaborado com o regime. No suposto episódio mais grave nesse sentido, ele teria entregado dois padres para o governo.

Não há nada que sustente essa suspeita. Na contramão desses relatos, há estudos que indicam a ajuda de Bergoglio a muitos dos perseguidos pela ditadura. O trauma daqueles acontecimentos segue vivo no cotidiano argentino, gerando disputas por diferentes versões dos fatos. O atual presidente Javier Milei é prova desse fenômeno.

Para terminar este texto, uma dica. O filme Dois Papas, do brasileiro Fernando Meireles, é um extraordinário retrato de um homem e sua relação com a fé e com o outro. Está tudo lá. O começo na Argentina, as dúvidas sobre a vocação, a escolha pela Igreja Católica, a coragem diante do perigo, as armadilhas do poder. É um tremendo filme.