Mundialmente consagrada no jornalismo esportivo na TV, a ESPN assinou no Brasil um vexame histórico ao punir profissionais que fizeram críticas à gestão da CBF. A direção da emissora suspendeu seis integrantes que atuam no programa Linha de Passe. Numa das últimas edições, a mesa redonda analisou uma reportagem da revista Piauí sobre a gestão de Ednaldo Rodrigues à frente da entidade máxima do nosso futebol.

A direção brasileira da multinacional do grupo Disney não gostou dos comentários feitos na bancada da atração esportiva. Os “insubordinados” foram suspensos por dois dias das atividades no canal. Estamos diante de um caso explícito de tentativa de censura. O comando da casa diz respeitar a liberdade de imprensa, mas precisa ser informada previamente sobre o tema que vai ao ar. É uma postura errada – e autoritária.

O caso tem forte repercussão. O Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e a Federação Nacional dos Jornalistas divulgaram nota de repúdio ao episódio, classificado de “inaceitável”. A iniciativa da ESPN surpreendeu a velha imprensa dado o aparente empenho de blindar a Confederação Brasileira de Futebol. Consta que Ednaldo Rodrigues acionou a cúpula do canal para reclamar do programa e exigir providências. Foi atendido.

Nos tempos de José Trajano, entre as décadas de 1990 e 2000, a ESPN Brasil praticou um jornalismo de alto nível. Além da criatividade dos programas e reportagens investigativas, a linha editorial crítica era uma “atração” especial da emissora. A turma se gabava da independência, uma escolha em contraponto ao oficialismo da Globo.

Ao longo dos anos, a emissora carioca cercou o esporte com os limites do entretenimento. O capítulo definitivo nesse sentido foi tirar a cobertura esportiva do guarda-chuva do jornalismo. Criou-se um departamento autônomo –uma autonomia para fechar negócios publicitários atropelando qualquer princípio jornalístico. Caso sério.

O episódio envolvendo ESPN e CBF é trágico. Revela o quanto a Casa Bandida do Futebol (a sigla rebatizada por Juca Kfouri) tem poderes aparentemente ilimitados. Não se pode apontar mais a Globo como único veículo parceiro da entidade em jogadas obscuras. 

A reportagem da Piauí revela uma antologia de abusos, negócios suspeitos e mamatas de toda ordem. O dinheiro corre solto para regalias, prêmios e supostos pagamento de propina. Tem até um capítulo alagoano nas histórias relatadas pela revista.

Diante de tudo o que está no texto, seria a CBF que deveria vir a público para se explicar. Mas a ESPN Brasil entendeu que o erro foi de seus jornalistas – que decidiram criticar a conduta e os métodos da confederação. Ou seja, blindagem total para a entidade.

Censura prévia vigorou no país durante a ditadura militar e em outros momentos de autoritarismo, como no varguismo. Não se pode dar como normal o que a ESPN acaba de fazer. Uma fase terrível para uma marca que já foi símbolo de liberdade de expressão.