Diretor, produtor, roteirista, crítico e ator, Leonardo Amorim, de 26 anos, é um dos nomes em ascensão no cinema de Alagoas, que vem se destacando ano após ano. Com um currículo recheado de obras interessantes, Leonardo é aquele tipo de diretor que deixa uma marca e faz o espectador refletir sobre o que acabou de assistir.
Leo respondeu às perguntas que enviei com áudios — daqueles cheios de ritmo, sinceridade e entrelinhas. Entre uma resposta e outra, falou sobre como enxerga o audiovisual e dos muitos nós de se fazer arte em Alagoas.
Para quem acompanha, mesmo que discretamente, o cinema produzido em Alagoas, o nome de Leonardo Amorim não passa despercebido. Diretor de curtas-metragens como Queima Minha Pele (2023) — meu favorito, diga-se de passagem — e de produções realizadas com recursos próprios.
Além disso, também integra as produções obras como Pornô (2016), A Noite Estava Fria (2017) e Vamos Ficar Sozinhas (2019) — ele também assina o projeto Seus Lábios (2024), fruto da Formação Prática em Produção Audiovisual da escola Criattiva.
Formado em Arte Dramática pela Escola Técnica de Artes (ETA), Leonardo já teve suas obras exibidas em diversos festivais e mostras. Ele também é membro fundador do Mirante Cineclube e, atualmente, atua como diretor artístico e curador da Mostra Que Desejo, um festival de cinema queer. O cineasta ainda apresenta o quadro Cinema de Alagoas na TV Gazeta, contribuindo para a valorização da produção cinematográfica local.
Atualmente, Leonardo está em processo de produção do curta-metragem Romântica, viabilizado com recursos da Lei Paulo Gustavo, dando continuidade ao seu trabalho dentro do cinema alagoano.
CadaMinuto: Seu interesse pelo cinema começou desde muito cedo através dos filmes Django Livre e Hiroshima, meu amor. Considerando essas influências, como elas se refletem em suas obras atuais?
Leonardo Amorim: O que esses dois filmes fizeram na época foi me fazer perceber o cinema e suas qualidades expressivas, que o distinguem de outras mídias e de filmes que eu havia visto. Claro que não de uma hora para outra, mas foi uma primeira etapa nesse processo. Acho que eles têm até alguma coisa em comum, uma certa visceralidade.
Isso está mais claro no filme do Alain Resnais, mas também no do Tarantino, que tem essa coisa do diálogo e das personagens — um texto mais clássico —, mas ele também tem algo que é muito expressivo na maneira como tudo interage, nas ações que as personagens tomam no mundo que ele cria. São filmes que apostam, cada um à sua maneira, nas possibilidades que o cinema traz.
O que acho muito interessante nesses filmes — que foi o que me tocou e o que reverbera em mim — é que não se desenvolvem por uma via de realismo ou naturalismo, mas por uma questão expressiva: seja das imagens que compõem, seja pelo ritmo de suas montagens e atuações. Seja pelo pop do Tarantino ou pela experimentação poética e híbrida entre o documentário e a ficção de Alain Resnais.
CM: Você começou a produzir seus primeiros curtas de forma independente. Como foi esse processo e quais desafios enfrentou na falta de orçamento?
LA: Isso trouxe alguns benefícios. Entre eles, entender o que era possível fazer com uma equipe pequena e quais linguagens você consegue adequar para essa situação de precariedade ou de pouco orçamento. Ainda que meu padrão de cinema, na época, fosse algo mais realista — um drama mais direto do que as coisas que me interessam hoje.
Então, era muito interessante e estressante tentar fazer uma decupagem clássica quando não se tem exatamente dinheiro ou recursos para isso. Para filmar vários planos, às vezes só há tempo e luz para um único plano. Então, eu acabava, no set, tendo que achar outros caminhos — o tipo de coisa que diretores, em geral, aprendem por bem ou por mal (geralmente por mal).

CM: Em termos de estilo e abordagem, quais as principais diferenças entre a direção do seu primeiro curta, Pornô, e o último, Seus Lábios?
LA: Acredito que a principal diferença está no conhecimento que adquiri ao longo dos anos, tanto com o primeiro curta, Pornô, quanto com os filmes de apartamento que fiz — A Noite Estava Fria e Vamos Ficar Sozinhas —, além das experiências em sets de outras pessoas. Isso me ajudou a entender melhor o que é possível realizar em situações com pouco orçamento e como extrair o máximo das condições materiais e financeiras que qualquer set oferece.
Queima Minha Pele foi algo curioso. Embora tenha sido o quarto curta que escrevi e dirigi, por ter sido um projeto de edital, com verba e equipe, parecia que eu estava fazendo meu primeiro filme novamente. O ritmo de um set financiado por edital é bem diferente: mais lento, com mais processos envolvidos, em comparação aos sets feitos com recursos próprios e equipe mínima, formada por alguns amigos.
Além disso, hoje tenho uma noção mais clara do que me interessa esteticamente e de como comunicar isso à equipe. Um exemplo mais recente é Seus Lábios, que se realiza com certa elegância, mesmo tendo sido feito sob limitações financeiras.
Eu senti, e também me disseram, que Seus Lábios transmite bastante segurança e um uso muito próprio da linguagem, da forma como eu queria contar aquela história. Isso me deixou muito feliz e acho que resume bem o que aprendi ao longo dos anos.
CM: Questões de gênero e identidade permeiam sua obra em diversos momentos. Como você enxerga a produção de filmes com temática LGBTQI+ e como lidam com isso no cinema alagoano?
LA: A temática LGBT+, de modo geral, é algo com que lido desde sempre. Sinto que a sexualidade em cena traz uma possibilidade mais audaciosa, que provoca ruídos morais e estéticos no público, agregando elementos singulares e distantes.
Exatamente por isso, não me interesso em fazer o que muitas obras que abordam esses temas costumam fazer. Sinto que elas são excessivamente higienizadas, preocupadas em não desagradar ou em garantir que estão passando a “mensagem certa”, algo pedagógico. Isso não passa muito pela minha cabeça, porque pode ser uma forma de autocensura ou até de publicidade/propaganda — coisas que devem estar bem longe da arte.
No cinema alagoano, há uma pesquisa que a Marina Bonifácio está desenvolvendo agora, na qual ela contabilizou os filmes LGBT+ produzidos aqui. Como era de se esperar, o número é pequeno, especialmente quando falamos de pessoas que não são homens cis ocupando a posição de direção ou produção.
Ainda que estejamos em um momento em que cada vez mais pessoas vêm se profissionalizando e surgem vários projetos — como a própria iniciativa da Maremoto Filmes com o Ateliê Xica Manicongo, voltada à formação de pessoas trans —, a pesquisa de Marina evidencia a escassez de filmes lésbicos e de diretoras lésbicas.
É uma questão do nosso estado, como se Alagoas ainda estivesse, aos poucos, saindo do armário.

CM: Alguns filmes alagoanos rodaram o Brasil, conquistando diversos prêmios. O que representa para você a participação de Alagoas no cenário nacional?
LA: O principal efeito que esses filmes têm é fazer com que não só o cenário nacional, mas também os órgãos públicos locais percebam que se faz cinema aqui, que isso é algo viável, possível e valorizado lá fora, tanto ao nível nacional quanto, especialmente, ao nível internacional. Quanto mais filmes alagoanos forem exibidos, mais será percebido que esse é um processo viável e que deve ser incentivado e receber investimentos. O papel desses filmes é mostrar um setor ativo, que trabalha, que gera obras e movimenta recursos.
CM: Você já mencionou a importância do investimento público para o crescimento do cinema alagoano. Qual é a sua visão sobre as políticas públicas do Governo de Alagoas voltadas para o setor?
LA: Acho que falta um entendimento de política pública que se baseie na recorrência. Política pública não é fazer um edital uma vez e, depois de dois ou três anos, lançar outro. É ter um planejamento para que o setor tenha uma manutenção constante — seja para realizar formações voltadas à profissionalização dos contratados ou garantir os recursos necessários para a produção de filmes, como aluguel de equipamentos e espaços, alimentação... Tudo isso retorna para a economia local.
As Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc foram, e estão sendo, ótimas, mas são verbas federais que o Governo de Alagoas e as prefeituras estão gerindo. Por isso, é preciso frisar a importância dessas entidades pensarem em políticas públicas estaduais e municipais para o audiovisual dentro de um planejamento mais amplo.
A última vez que a Prefeitura de Maceió investiu no cinema, por exemplo, foi em 2019, no edital dos Arranjos Regionais, no qual *Queima a Minha Pele* foi um dos selecionados. Em breve, haverá uma nova edição dos Arranjos Regionais, em que os entes locais precisarão investir recursos próprios para que a Ancine disponibilize os do FSA. Portanto, é necessário haver um planejamento de verba municipal e estadual para que isso aconteça.
Em resumo, é disso que estamos precisando neste momento: de uma lei, de uma organização política, pública e social — da mesma forma que o FUNCULTURA acontece em Pernambuco, aqui ao lado — para que profissionais do audiovisual possam subsistir e ter um plano de carreira, garantindo a continuidade do cinema alagoano.
CM: O que você acredita ser diferenciado no cinema alagoano em relação aos centros produtores do resto do Brasil?
LA: É que, como a gente ainda não tem — e isso tem seu lado bom e seu lado ruim — um setor profissionalizado, padronizado e específico, cada diretora e diretor novo traz também um olhar muito próprio para suas obras. As dificuldades financeiras fazem com que o elemento artesanal seja ainda mais forte.
Falo isso porque existem modos de produção nos streamings e em grandes produções que limitam as possibilidades estéticas que um filme pode ter. A impressão que eu tenho é que, quanto mais dinheiro se coloca em algo, menos personalidade ele tende a ter. Mas essa é uma afirmação que precisa ser feita com cuidado, para não romantizar o precário — a falta de padronização dos cachês, das condições trabalhistas e sindicais.
Temos autores e autoras que estão criando linguagens próprias e que, vistos de fora, se destacam pela efervescência e pela qualidade criativa do atual cinema alagoano. O elemento artesanal é o que torna essas obras distintas; dá a elas algo que não encontramos nos streamings ou coisas do tipo.
É preciso entender o equilíbrio: garantir as melhores condições de trabalho e, ao mesmo tempo, preservar a fruição das visões criativas.
*Estagiária sob supervisão da editoria
Foto de capa: Marina Bonifácio