Depois que a Defensoria Pública de Alagoas (DPE) provocou a Justiça acerca da possibilidade de que não seja construído um novo hospital psiquiátrico na capital, em substituição ao Hospital Portugal Ramalho (HEPR), que hoje funciona no Farol, especialistas ouvidos pelo CadaMinuto defenderam a importância da manutenção de um espaço específico para o tratamento de doenças mentais.
A construção do hospital, no bairro Jaraguá, é fruto de um acordo firmado entre o Estado de Alagoas e a Braskem, em uma ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público Estadual (MPE) e Defensoria Pública da União (DPU), como compensação pelos danos causados pelo afundamento do solo à unidade hospitalar.
A Defensoria Estadual pede que a Justiça reavalie essa cláusula, argumentando que a construção de um novo hospital psiquiátrico “contraria toda a legislação brasileira e internacional sobre saúde mental”.
O médico psiquiatra Adalcyr Cunha, presidente da Associação Alagoana de Psiquiatria, que é federada da Associação Brasileira de Psiquiatria, ressalta que a posição da entidade é pela manutenção do hospital psiquiátrico com a finalidade que tem hoje, que é o atendimento dos portadores de doença mental, com atendimento de urgência e emergência, com profissionais de plantão vinte e quatro horas e sendo abordados por equipe multidisciplinar, desde o médico psiquiatra assim como psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, nutricionistas, terapeutas ocupacionais, além dos técnicos que fazem parte da equipe.
“É importante enfatizar que esses pacientes que procuram o hospital nem sempre precisam ficar internados e os que precisam devem ficar até saírem da crise e devem seguir o acompanhamento nos ambulatórios e CAPS. E não devemos confundir conceito de hospital psiquiátrico com o de manicômio, que basicamente afastava o doente mental do seu meio e os tratamentos eram precarizados. Por isso apoiamos a Reforma Psiquiátrica, mas somos contrários ao fechamento dos hospitais psiquiátricos que cumprem seu papel e que se hoje tem sua precariedade é porque os responsáveis não investem como deveriam e se apegam a alguns aspectos da Reforma exatamente para não investirem”, enfatizou o médico.
Reconstrução e oferta de alternativas
Segundo Adalcyr Cunha, o fato do Hospital Escola Portugal Ramalho (HEPR) ser reconstruído não impede que as outras opções de acompanhamento que já existem sejam mantidas e melhoradas, como a inclusão de leitos de saúde mental em hospitais gerais, como defendido pela DPE e até a criação de enfermarias específicas em hospitais gerais.
“A alegação de que a construção de um novo hospital psiquiátrico contraria a legislação brasileira e internacional sobre saúde mental não procede de forma alguma. O que a lei exige é tratamento adequado, oferta de alternativas, onde a internação é uma das possibilidades”, afirmou o especialista, ressaltando que “o que a legislação exige, e é obrigação de toda rede de assistência médica, em qualquer especialidade, é que todos tenham um tratamento humanizado”.
“Já trabalhei no HEPR e atualmente atendo no setor privado e, em pouco mais de um ano, precisei indicar internação para um ou dois pacientes. Na rede pública há mais necessidade, porque a assistência é mais precária, principalmente nos ambulatórios. Manter o HEPR é dar esse direito à população, de não ter que recorrer ao sistema privado, porque o único que é porta aberta para urgência e emergência em psiquiatria é o Portugal Ramalho e nenhum outro serviço a médio ou longo prazo, irá suprir essa demanda”, reforçou o médico.
Adalcyr Cunha contou que, hoje, quando existe paciente com quadro de agitação psicomotora, que ameaça a segurança de si mesmo ou de outros, não há local adequado para ele em hospitais gerais que, sofrem também, com carência de pessoal: “Hoje não temos psiquiatras de plantão em nenhum hospital público ou privado e até onde sei não há previsão para isso. Portanto, é necessário que o Portugal Ramalho seja mantido para continuar atendendo a essa demanda e com as características que tem hoje e sendo modernizado com as intervenções que a psiquiatria pode oferecer no tratamento das doenças mentais, hoje só disponíveis no setor privado”, reafirmou.
Segundo ele, caso a construção do novo hospital não ocorra, isso irá penalizar cada vez mais a população, que já vive penalizada.
“Há pacientes que, na crise, as famílias não podem manter em casa e precisamos de alternativas para esses casos mais graves. Não abrimos mão e clamamos à sociedade pela manutenção da construção do novo hospital, que será equipado e estruturado como se deve e terá condições de criar e ofertar à população tratamentos que hoje não estão disponíveis na rede pública e são caros. O acordo feito para essa construção é bem-vindo e esse hospital, vale lembrar, é também um hospital escola reconhecido, com residência médica, estágio, e precisa ser mantido na localização prevista, em Jaraguá, um local estratégico, próximo à UPA, centro de saúde, Maternidade Santa Mônica. Alagoas não pode perder essa oportunidade”, analisou o psiquiatra.
Ele prosseguiu pontuando que, mesmo com toda a precariedade, o Portugal Ramalho é o único hospital público de Alagoas que atende a demanda da psiquiatria: “Hoje a internação pode ser voluntária, involuntária e compulsória e o único hospital público que recebe, determinado pela Justiça, internações involuntárias ou compulsórias, é o Portugal Ramalho”.
“Quando veio a reforma psiquiátrica era para que não existissem mais pacientes morando em hospitais, aproveitaram para extinguir os leitos em excesso de hospitais e criar tratamentos alternativos, nos CAPs, por exemplo, porém muitas demandas que hoje o HEPR recebe os CAPS não conseguem suprir. Infelizmente, o atendimento psiquiátrico nos ambulatórios públicos está deficitário e mesmo para os que têm planos de saúde na rede privada, de certa forma o acesso a tratamento ambulatorial e consequentemente a assistência piorou. Hoje, a quantidade de clínicas para internações particulares em psiquiatria aumentou e não há mais clínica pública, por exemplo, para tratamento de dependentes químicos. E, preciso expor aqui, que várias dessas clínicas não prestam o atendimento adequado para esses pacientes”, alertou o psiquiatra.
Para o médico, o essencial é não deixar que o hospital se transforme em “depósito de gente”, o que, segundo ele, hoje já não acontece. “O propósito do HEPR são internamentos breves, sem contar que a manutenção do HEPR permite que sejam formadas equipes multidisciplinares em saúde mental, o que não é fácil, já que há muita rotatividade na rede pública incluindo os CAPS. Tanto estado quanto município fazem poucos concursos e trabalham com PSS, sem vínculo, então quando a equipe está se formando, muda”, continuou o psiquiatra, elencando mais um motivo para que o hospital seja mantido: a formação de recursos humanos.
“A Defensoria devia estar indo atrás de clínicas privadas que deixam muito a desejar e sequer têm médicos de plantão à noite e, às vezes, nem durante o dia, mesmo atendendo demandas de casos graves de doenças mentais e dependência. É claro que existem clínicas privadas que são boas e cumprem seu papel, mas o custo é elevado para o paciente e elas não vão deixar de existir, o setor público não pode abrir mão de suprir essa necessidade de assistência a esses pacientes deixando apenas que o setor privado preencha essa lacuna, pois é isso que já acontece e vai continuar acontecendo. Ou seja o setor público diminui a quantidade de leitos enquanto no setor privado aumenta. Que o HEPR seja reconstruído e continue cumprindo o seu papel tanto na formação de profissionais quanto na assistência aos doentes mentais”, finalizou.

Unidades essenciais
Ao ser questionado sobre a possibilidade, levantada pela DPE, da não construção de um novo hospital psiquiátrico, Emmanuel Fortes Silveira Cavalcanti, médico psiquiatra e 1º Vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, afirmou ao CadaMinuto que há um movimento denominado Luta Antimanicomial que, seguindo uma linha ideológica, defende o banimento dos leitos psiquiátricos em hospitais especializados. Esse grupo considera tais leitos uma forma de cárcere, baseando-se em conceitos do início do século 20, quando ainda não existiam fármacos eficazes para o tratamento de doenças mentais.
Fortes destacou a evolução da medicina, comparando com o advento da penicilina no século passado, que revolucionou o tratamento de infecções antes fatais. Ele ressaltou que, assim como os hospitais pediátricos e cardiológicos, um hospital psiquiátrico é uma instituição especializada e sua função é atender casos graves que demandam estruturas complexas. Segundo ele, essas unidades são essenciais para fornecer abordagem farmacológica, suporte psicológico institucional, terapia ocupacional e avaliação do perfil social dos pacientes. Além disso, crises psiquiátricas muitas vezes exigem vigilância constante e internações prolongadas, algo que os leitos em hospitais gerais não conseguem suprir adequadamente.
O especialista reforçou que um hospital exclusivamente psiquiátrico necessita de um ambiente especializado, equipe capacitada, estratégias terapêuticas individualizadas e um número adequado de profissionais, estabelecendo a proporção de um médico para cada 40 pacientes.
Em relação à legalidade da construção de um novo hospital psiquiátrico, Emmanuel Fortes assegurou que essa medida não contraria a Lei 10.216/02. Ele lembrou que participou da formulação da lei, junto com outro alagoano, Dr. Humberto Gomes de Melo, atual provedor da Santa Casa. Fortes explicou que a legislação prevê diferentes formas de internação e enfatiza a necessidade de um tratamento adequado para os pacientes, incentivando a criação de uma rede de assistência. No entanto, segundo ele, a retirada dos hospitais psiquiátricos da rede foi uma decisão do Ministério da Saúde, por meio de portarias baseadas em uma linha de pensamento específica.
Por fim, Emmanuel Fortes enfatizou que os hospitais psiquiátricos continuam sendo indispensáveis para atender pacientes em crises graves que necessitam de cuidados intensivos e especializados.

Desinstitucionalização
A DPE ingressou com pedido de admissão como custos vulnerabilis na ação que resultou no acordo para a construção do novo hospital psiquiátrico. Na solicitação judicial, os defensores públicos Ricardo Melro, Daniel Alcoforado, Lucas Valença, Marcelo Arantes e Roberta Gisbert argumentam que a indenização da Braskem poderia ser utilizada para ampliação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), com a inclusão de leitos de saúde mental em hospitais gerais, conforme determina a legislação vigente.
Segundo os defensores, “a sentença homologatória do acordo não considerou dispositivos essenciais da legislação brasileira e internacional sobre saúde mental, incluindo a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, a Lei Antimanicomial, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência e a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Damião Ximenes vs. Brasil. De acordo com esses normativos, a política pública de saúde mental deve ser voltada à desinstitucionalização e à oferta de serviços de atenção psicossocial comunitários, conforme orientação, inclusive, da Organização Mundial de Saúde (OMS)”.
A DPE ressalta que Alagoas possui um grande déficit de leitos de saúde mental em hospitais gerais — apenas 31 leitos — enquanto conta com 424 leitos em hospitais psiquiátricos, o que evidencia a necessidade de uma redistribuição conforme a legislação vigente.
Melhor assistência à população
Em nota encaminhada por sua assessoria de Comunicação à reportagem, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) reforçou que, por meio da Câmara de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos (CPRAC), firmou um acordo com a Braskem e a Uncisal, com a participação do Ministério Público Federal, da Defensoria Pública da União e do Ministério Público Estadual, para a construção de um novo hospital psiquiátrico.
“O acordo, já homologado pela Justiça, garantirá à população alagoana uma nova unidade hospitalar especializada, como indenização pelos danos causados pela mineradora. A nova unidade fortalecerá a rede de atendimento em saúde mental no estado, garantindo melhor assistência à população”.