O Ministério Público Federal (MPF) realizou, na manhã desta quinta-feira (6), uma reunião com os familiares de Jayme Amorim de Miranda, jornalista e advogado natural de Maceió/AL, desaparecido em fevereiro de 1975, durante a ditadura militar brasileira. O encontro debateu o reconhecimento do crime como continuado e os novos caminhos na garantia do direito à memória e à verdade , contando com a participação do procurador regional dos direitos do cidadão, Bruno Lamenha, e da procuradora-chefe do MPF em Alagoas, Roberta Bomfim.

A reunião foi mediada por Pedro Montenegro, coordenador de Direitos Humanos do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL), e teve a presença de Yuri Patrice Rocha de Miranda e Thiago Francisco Agra de Miranda, filho e neto do desaparecido. Os familiares relataram a dor vivida ao longo de cinco décadas de buscas e destacaram a importância de manter a memória viva para que atrocidades como essa nunca mais se repitam.

A família mencionou que o livro "Cachorros: A História do Maior Espião dos Serviços Secretos Militares e a Repressão aos Comunistas Até a Nova República", de Marcelo Godoy, acrescenta novos detalhes e que podem contribuir na discussão sobre o caso. Além disso, ressaltaram a necessidade de revisar a aplicação da Lei da Anistia, especialmente no que se refere ao crime de ocultação de cadáver, considerado um crime continuado.

O MPF informou que as ações criminal e cível já ajuizadas contra os agentes envolvidos no caso de Jayme Miranda tiveram desfechos limitados pela interpretação vigente da Lei da Anistia. No entanto, o Grupo de Trabalho Memória, Verdade e Defesa da Democracia, coordenado pela Procuradoria Regional da República da 3ª Região (PRR3), segue acompanhando o caso e avaliando estratégias para buscar justiça, considerando também as decisões internacionais que declararam a Lei da Anistia incompatível com tratados de direitos humanos.

Bruno Lamenha destacou que a conscientização das novas gerações sobre a importância da democracia é essencial para que as memórias das vítimas da ditadura sejam preservadas. A procuradora-chefe Roberta Bomfim reforçou “o compromisso do MPF na batalha contra o esquecimento e agradeceu pelo compartilhamento da história de vida da família e pela confiança na instituição".

Memória e justiça: a trajetória de Jayme Amorim de Miranda

Militante histórico do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Jayme Amorim de Miranda foi preso durante a "Operação Radar" e transferido para São Paulo, onde foi assassinado por agentes da repressão. Apesar do reconhecimento oficial de seu desaparecimento pela Lei nº 9.140/1995 e de sua anistia política em 2007, seus restos mortais nunca foram encontrados.

Jayme deixou esposa, dona Elza, e quatro filhos pequenos, de idades entre 14 e 3 anos. "Eu tinha 13 anos, Olga 14, e meus irmãos tinham 8 e 3 anos. Para cada um, o sofrimento foi de uma forma", relatou Yuri Miranda. "Mesmo participando de militância estudantil, sempre foi muito difícil falar sobre isso. Hoje, sou conselheiro da Cruz Vermelha e essa vivência me ajuda”.

A busca por justiça ganhou força a partir das apurações do Grupo de Justiça de Transição do MPF, que revelou a atuação de agentes como Carlos Setembrino da Silveira e Carlos Alberto Brilhante Ustra no crime. Os laudos necroscópicos foram falsificados pelos legistas Abeylard Orsini e João Pagenotto para encobrir a violência sofrida por Jayme.

Alagoas soma seis mortos e três desaparecidos durante a ditadura, e a atuação do Comitê Alagoano de Memória, Verdade e Justiça tem sido fundamental para a preservação da história. A família Miranda, que participa ativamente dessas iniciativas, reforça a importância de continuar falando sobre o caso e buscar a verdade.

Pedro Montenegro relembrou que "das piores formas de opressão é a espoliação das lembranças".

O MPF reafirma seu compromisso com a defesa dos direitos humanos e seguirá atuando, em suas diversas instâncias, para garantir que crimes cometidos pelo Estado brasileiro durante a ditadura não fiquem impunes, promovendo a memória, a verdade e a justiça para as vítimas e seus familiares. A PRDC se disponibilizou para atender novas demandas sobre o assunto.