Um domingo de carnaval em clima de final de Copa do Mundo. Não se fala de outra coisa nas páginas da imprensa. Fernanda Torres até tentou serenar a expectativa carnavalesca. Candidata a um Oscar de melhor atriz, pediu que os brasileiros não caíssem nessa onda de torcida pela seleção brasileira de futebol. Mas não teve jeito. A atriz e escritora está no meio dos blocos, virtualmente, em diferentes cantos do país, à espera da premiação.

A intérprete de Eunice Paiva no filme Ainda Estou Aqui virou boneco gigante na festança de Olinda. Em Ouro Preto, algum bloco também construiu um bonecão às pressas para celebrar o feito da brasileira. Pelo que vi de longe na TV, a cara da artista aparece em todos os blocos pelo Brasil afora. O rosto de Fernanda deve ser a máscara mais vendida dos últimos carnavais. A obra do diretor Walter Salles concorre a três estatuetas.

Diante do farto noticiário acerca do Oscar, pode-se arriscar que o título brasileiro é forte favorito na categoria de Filme Internacional. Será uma grande zebra se levar o prêmio de Melhor Filme, o mais importante de todos. No meio do caminho – nem favorita, nem azarão – vem justamente o nome de Fernanda Torres para Melhor Atriz. Ela tem fortes concorrentes e, segundo a crítica internacional, não há uma favorita absoluta.

A torcida pelo primeiro Oscar ao cinema brasileiro é gigantesca. Mas há a turma do contra – ainda mais levando-se em consideração o tema de que trata Ainda Estou Aqui. De cara, ao abordar a ditadura militar instalada em 1964, o filme desperta a fúria dos cidadãos de bem da ultradireita e do bolsonarismo. Para essa galera, resta se agarrar ao autoengano e ao negacionismo cultural, digamos assim. Por isso existem as “bolhas”.

Para os patriotas, Salles conta uma “história mentirosa” sobre o glorioso regime dos milicos. Não houve tortura, não há desaparecidos e ninguém foi covardemente assassinado pelos gorilas da repressão. É tudo “narrativa da esquerda”, dizem aqueles que têm como ídolo alguém adepto da tortura como “método de investigação”. Com essa armadura impermeável à realidade, rezam para uma derrota do Brasil no Oscar.    

Um filme sobre a ditadura militar na disputa por um boneco dourado de Hollywood. Isso já aconteceu. Em 1997, O que é Isso Companheiro? foi indicado na categoria de Filme Estrangeiro. É baseado no livro de Fernando Gabeira. Dirigido por Bruno Barreto, a obra tem entre os atores dois nomes que, 25 anos depois, também estão no filme que hoje concorre ao Oscar: Fernanda Torres e Selton Mello fazem parte dos dois elencos.

Nem ufanismo, nem complexo de vira-lata. Torcer contra uma obra de arte por razões políticas é apenas uma bizarrice de quem não entendeu nada. Do mesmo modo, “cancelar” quem critica o filme é de igual natureza obscurantista. Como já escrevi aqui, Walter Salles é um diretor convencional, sem maiores recursos para um cinema de fato inquietante. Faz sentido que sua pegada para o dramalhão caia no gosto hollywoodiano.