Nas águas cristalinas que delineiam a costa de Alagoas e Pernambuco, um processo silencioso, mas devastador, ameaça a vida marinha e os meios de subsistência de milhares de pessoas. O branqueamento dos recifes de corais, impulsionado pelo aquecimento global e pela poluição, acelera a degradação desses ecossistemas vitais.
Na maior unidade de conservação marinha do Brasil, a Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais, o impacto já é evidente. Além de comprometer a biodiversidade única da região, o colapso dos corais ameaça o turismo e as atividades econômicas que dependem desse equilíbrio natural.
Um estudo publicado em 2024 pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) revelou um cenário alarmante — cerca de 90% dos corais alagoanos apresentam perdas significativas e uma alta taxa de mortalidade. Esse fenômeno é principalmente causado pelo aumento da temperatura da água, que resulta na expulsão das microalgas responsáveis por fornecer energia aos corais, comprometendo sua sobrevivência.
A APA Costa dos Corais, que se estende por cerca de 130 km entre Tamandaré (PE) e Maceió (AL), conecta ambientes marinhos, fluviais e manguezais, servindo de abrigo para milhares de espécies. No entanto, desde setembro de 2023, a saúde dos recifes em Maragogi, Paripueira e Maceió vem sendo monitorada.
O professor e coordenador do Laboratório de Ecologia e Conservação no Antropoceno (Ecoa Lab/Ufal), Robson Santos, alerta que o aquecimento dos oceanos é a principal causa da mortalidade em massa dos corais. “A combinação de impactos, como a poluição e o turismo desordenado, diminui a resiliência dos recifes e pode desencadear um colapso ecológico”, explica.
Ainda segundo o pesquisador, as perspectivas para a recuperação desses ecossistemas são preocupantes. Estudos indicam que um aumento superior a 1,5°C na temperatura dos oceanos pode causar perdas irreversíveis, resultando na morte massiva de espécies construtoras de recifes.
Para mudar esse cenário, ele acredita que a criação de uma unidade de conservação participativa e democrática seja um primeiro passo importante para preservar os recifes de coral e os serviços que eles prestam à sociedade, além de colocar Alagoas como referência em turismo sustentável.

Pesca e turismo ameaçados
O pescador, pesquisador e secretário da colônia de pescadores de Santo Amaro, em Paripueira, Johnny Antonio da Silva Lima, destaca que a degradação dos recifes de corais afeta diretamente pescadores e empresários do turismo.
“As comunidades pesqueiras atuam em diversos ambientes costeiros, do manguezal à quebra da plataforma continental. Tanto o 'mar de dentro', até a última barreira de corais visível, quanto o 'mar de fora', além dessa linha, estão sendo impactados”, explica.
Segundo Lima, pescadores que dependem da captura do polvo são os mais prejudicados. “Os polvos migram para outros locais quando os corais branqueiam, reduzindo sua abundância e causando perda de serviços ecossistêmicos”, afirma.
Ainda segundo o pesquisador, os turistas visitam o litoral não apenas para aproveitar as praias, mas também para explorar a culinária local e conhecer a cultura da região. Ele destaca que a degradação afeta diretamente o turismo, a gastronomia e a segurança alimentar das comunidades tradicionais.
“O impacto emocional é significativo, pois gerações inteiras dependem dos corais para sua subsistência e existência cultural. O branqueamento dos corais não só afeta a ecologia das espécies, mas também quebra ciclos geracionais, gerando incertezas sobre o futuro, leva a períodos de escassez de recursos naturais, tornando insustentável a subsistência a longo prazo”, defende.
As comunidades tradicionais que dependem dos ecossistemas marinhos estão se adaptando de diferentes maneiras para lidar com a perda de biodiversidade, especialmente em relação ao declínio dos recifes de corais. Como explica o especialista, as alternativas incluem a migração entre modalidades de pesca.
Além da migração para diferentes tipos de pesca, Lima acrescenta que muitos profissionais do setor estão mudando completamente de profissão, migrando para atividades como a construção civil, em busca de alternativas para garantir o sustento de suas famílias.
O pesquisador destaca que a degradação do ambiente marinho compromete o conhecimento tradicional e ecológico local, intimamente relacionado ao território, e isso se reflete na perda de um vínculo vital com a natureza.
A situação também afeta a nova geração, que não vê mais na pesca uma atividade promissora, o que leva muitas famílias a buscar alternativas acadêmicas e profissionais em busca de um futuro diferente, longe da pesca que foi por tanto tempo a principal fonte de sustento.
Soluções para um futuro sustentável
Sobre o branqueamento dos corais, ainda há esperança. De acordo com Santos, a criação de uma rede de unidades de conservação marinha interconectadas pode ser um caminho eficaz para restaurar os recifes.
Ele também enfatiza a importância de ações como o aprimoramento do tratamento de esgoto, a gestão adequada de resíduos e a regulamentação do turismo, que são fundamentais para conter a degradação e preservar a biodiversidade marinha.
Para o professor, o momento de agir é agora, pois a cada evento de branqueamento, as chances de manutenção dos recifes de coral diminuem. “Para evitar um colapso total, é essencial unir esforços locais e globais, reduzir as emissões de gases de efeito estufa e reforçar as políticas de proteção ambiental. Sem essas medidas, as barreiras de corais do Brasil podem se tornar apenas uma memória submersa”, alerta.
No sentido de preservar os recifes e promover o turismo sustentável, o coordenador do Ecoa Lab destaca um novo projeto financiado pela Secretaria de Estado do Turismo (Setur). A iniciativa visa monitorar a saúde dos recifes de coral e reforçar a capacitação dos operadores turísticos.
Além disso, o projeto propõe alternativas sustentáveis de turismo, inicia os primeiros experimentos de restauração dos recifes no estado e busca criar novas unidades de conservação para proteger esses ecossistemas. “Estamos propondo opções de turismo sustentável e criando novas unidades de conservação”, revela Santos.

O professor acredita que há outras alternativas viáveis: "Podemos apostar no turismo sustentável e de base comunitária, que, além de gerar renda, preserva os recifes e fomenta o engajamento da sociedade na conservação desses ecossistemas", afirma.
Ele ainda acredita que a criação de unidades de conservação, de forma participativa e ouvindo todos os setores da sociedade que dependem do ecossistema, pode ser um passo crucial para preservar as áreas mais saudáveis. Com isso, seria possível garantir um turismo rentável e regulamentado, proteger os recursos pesqueiros essenciais para os pescadores artesanais e assegurar que a população continue a usufruir das belezas do litoral.
Santos cita como exemplo positivo a própria APA Costa dos Corais, em Alagoas, cujo zoneamento contribui para a conservação da biodiversidade e ao mesmo tempo permite um turismo regulamentado, gerando empregos e renda. Contudo, para que esse modelo seja eficaz, é preciso investir mais em saneamento básico, na redução da produção de lixo e na gestão adequada dos resíduos.
Suspensão do turismo na APA Costa dos Corais
O Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação judicial contra a Prefeitura de Maragogi em razão de um decreto municipal que criou a Área de Relevante Interesse Ecológico Marinho da Lagoa Azul (ARIE da Lagoa Azul), permitindo a atividade turística na região.
Em decisão liminar tomada em 17 de janeiro de 2025, a Justiça Federal determinou a suspensão do decreto da Prefeitura de Maragogi que autorizava o turismo de massa na Lagoa Azul, situada no Litoral Norte de Alagoas.
O MPF argumenta que o decreto compromete a biodiversidade marinha, em especial os recifes de corais, e requer a anulação do documento ou a exclusão dos artigos que entram em desacordo com o plano de gestão da Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais.
A liminar determina:
- A imediata suspensão dos efeitos do Decreto nº 046/2022 e de todas as atividades incompatíveis com o plano de manejo da APA Costa dos Corais, com ênfase na visitação turística à Lagoa Azul.
- O cancelamento de todos os alvarás que autorizam o turismo na área.
- O reforço na fiscalização da Lagoa Azul pelos próximos três meses para combater atividades irregulares.
- A realização de campanhas publicitárias em rádio, televisão e redes sociais para divulgar a suspensão das atividades turísticas, com aplicação de multa diária em caso de descumprimento.
Prefeitura de Maragogi diz que recorreu da decisão
Questionada pelo CadaMinuto, a Prefeitura de Maragogi declarou que acatará a decisão judicial, mas que já recorrerou à Justiça para garantir a retomada da atividade turística na Lagoa Azul. Em nota oficial, a administração municipal afirmou que todo o processo foi conduzido em conformidade com a legislação vigente.
A gestão também ressalta a parceria com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para implementar ações que minimizem os impactos ambientais causados pela atividade turística. Confira abaixo a nota na íntegra:
“A Prefeitura de Maragogi, após ser notificada oficialmente sobre a liminar da Justiça Federal que determinou a suspensão do turismo na Lagoa Azul, informou que irá acatar a decisão judicial, mas já recorreu para que a atividade turística no local seja restabelecida.
A gestão municipal destacou que a regulamentação da visitação foi feita com base na legislação vigente e reforçou seu compromisso em equilibrar o desenvolvimento sustentável com a preservação ambiental, sempre defendendo os interesses da população local.
Além disso, a Prefeitura tem trabalhado em conjunto com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para atenuar os impactos sociais e econômicos causados pela decisão judicial. Novas medidas administrativas estão sendo adotadas para minimizar os prejuízos às famílias afetadas e assegurar a segurança dos trabalhadores que dependem do setor turístico.”
*Estagiária sob supervisão da editoria