O avanço das facções criminosas é um dos maiores desafios para o país. Não é de hoje, claro, mas o drama se intensificou nos últimos anos com a migração do tráfico de drogas para regiões até então fora do radar do crime organizado. As últimas fronteiras conquistadas pelo narcotráfico foram nos estados da região Norte, sob a grandiosidade da geografia amazônica. A nova realidade poderia render um filme. E rendeu.
Lançado em 2023, Noites Alienígenas é o primeiro longa-metragem de ficção produzido no Acre. A produção tem todo o elenco formado por atores locais, desconhecidos do grande público. A única exceção é Chico Dias, que dá vida a um estranho personagem, espécie de traficante veterano, sem ligação com as facções invasoras. A trama acompanha jovens na periferia, com suas rotinas atravessadas pelo tráfico.
Dirigido pelo acreano Sergio de Carvalho, o filme fez bonito em festivais internacionais e venceu o Festival de Gramado, desbancando Marte Um, outra obra de peso na recente safra do cinema brasileiro. Os dois títulos estão em diferentes plataformas, como Netflix, Globoplay e YouTube, entre outras. Sem espaço nas salas do país, o streaming resolve a deficiência que sabota nosso cinema. É um avanço, no fim das contas.
Quando a arte se mete a “traduzir” a realidade social de uma comunidade, estamos diante de um perigo mortal. Mas roteiro e direção fazem de Noites Alienígenas um trabalho avesso ao lugar-comum e a soluções fáceis. O filme evita o didatismo e passa muito longe da praga “favela movie”, que explodiu no país depois de Cidade de Deus e Tropa de Elite. Porque sempre é possível renovar o que muitas vezes parece esgotado.
É uma favela o que aparece no filme, mas muito diferente daquilo que estamos acostumados a ver – pela arte ou pelo jornalismo. Não há cenas de tiroteio, exibição de brutalidade e muito menos exaltação a uma estética da violência. Desde a primeira sequência, na qual uma cobra passeia pelo corpo de um jovem em estado alterado, as situações isoladas vão construindo um painel inquietante sobre aquele universo.
O Acre e demais estados na região viram a vida se complicar depois da ascensão da Família do Norte. A facção nativa acabou se metendo numa guerra com o PCC e o Comando Vermelho, os bandos forasteiros que passaram a disputar o domínio do novo mercado. É nesse novo cenário que os personagens do filme encaram medos e sonhos. “Naquele fim de mundo”, todas as galeras alternam desejo de mudança e resignação.
Com direção segura e um grupo de atores com desempenho surpreendente, Noites Alienígenas está entre os melhores filmes brasileiros desses últimos tempos. Poderia ser um panfleto, ou algo pior. Mas, reitero, Sergio de Carvalho evita essa armadilha com sobriedade e nenhum excesso. O resultado mostra que ele acertou nas escolhas.
O fator “alienígena” é uma licença poética que também dispensa explicação no roteiro. Tudo isso misturado a histórias de angústia e incertezas – nas vidas daquelas pessoas e nos rumos de um país quase refém do crime organizado. Para além do almejado êxito de bilheteria (apenas uma miragem, nesse caso), eis aqui um cinema necessário.