Ganhei o presente no Natal do ano passado e só agora o terminei de ler. Houve um tempo em que o conhecimento era um tesouro a ser conquistado, uma chama mantida viva pelos poucos que compreendiam seu valor. Muitos já disseram: só ele – o conhecimento - liberta. Os grandes pensadores dedicavam suas vidas à busca pela verdade, os artistas desafiavam os limites da expressão humana, e os estadistas – cada vez mais raros - guiavam os povos com prudência e responsabilidade, mesmo pagando altos preços para cumprir o que deve ser cumprido.

O homem-massa, descrito por Ortega y Gasset, emergiu da multidão não como um revolucionário iluminado, mas como um herdeiro ingrato, desprovido de sentimentos gentis. Ele nasceu no seio de uma sociedade próspera, usufruindo das conquistas que não ajudou a erguer, exigindo direitos sem reconhecer os deveres que os sustentam.

Esse novo indivíduo não busca compreender o mundo, apenas reclama dele. Ele não quer aprender, apenas opinar. Através das redes sociais, amplifica sua voz sem compromisso com a verdade, e na política, substitui o debate pela agressão emocional. A cultura, antes um espaço de reflexão e sofisticação, se torna um espelho de sua mediocridade, quase em sua totalidade, cooptada por governos populistas que este mesmo homem faz questão de defender.

Ortega y Gasset previu essa ascensão. Alertou que, quando a maioria passa a rejeitar a hierarquia do conhecimento, a civilização corre grande perigo. A mediocridade, ao ser promovida como norma, sufoca a excelência e destrói as bases da cultura e da liberdade. Sem padrões que orientem o esforço e a evolução, o mundo se rende à tirania do comum, onde tudo é permitido, exceto a exigência.

Mas há esperança. A civilização sobreviveu a crises, revoluções e guerras porque sempre houve aqueles que resistiram ao colapso. Quando Inglaterra via em silêncio o avanço nazista na Segunda Guerra Mundial, um discordou: Churchill. Quando as ditaduras comunistas avançavam no mundo e na América Latina, foi Reagan que, com seu programa militar, colocou de vez um ponto final na guerra fria, levando a queda do muro de Berlim em 1989. Quando o mundo assistia acovardado as atrocidades do comunismo na Polônia e no Leste da Europa, foi Margaret Thatcher, com Ronald Reagan e o papa João Paulo II, que contribuíram pela ruína do regime naqueles países.

Para salvar o futuro, é preciso reafirmar o valor do conhecimento, da responsabilidade e do pensamento crítico. A elite intelectual, os artistas comprometidos com a beleza e a profundidade, os cientistas que não cedem à pressão do imediatismo, todos devem erguer-se contra o conformismo e manter viva a chama da civilização.

Se a ascensão do homem-massa representa uma ameaça, qual seria a resposta? Para Ortega, a saída está na reafirmação do esforço intelectual e da busca pela excelência. A civilização só pode ser preservada se houver uma elite intelectual disposta a resistir à mediocridade e a manter viva a cultura, a ciência e os valores fundamentais da sociedade. Em um mundo cada vez mais marcado pela superficialidade e pelo conformismo, a reflexão de Ortega y Gasset serve como um alerta: ou cultivamos a responsabilidade e o pensamento crítico, ou estaremos condenados à decadência da civilização que levou milênios para ser construída.