Em 1971, o escritor Gabriel García Márquez confessou ao cineasta brasileiro Glauber Rocha, em uma entrevista publicada n’O Pasquim, que escreveu “Cem Anos de Solidão” contra a indústria cinematográfica, por considerá-lo um livro “infilmável”. “Um poema é muito mais perto de um filme”, justificou ‘Gabo’, na entrevista. “Se eu fosse um cineasta filmaria como se escrevesse um poema, inventando imagens”, acrescentou.
Cacá Diegues concordaria, muitos anos despois. “Não sabia dessa opinião dele, mas ele está certíssimo”, diz. Gabriel García Márquez, aliás, chegou a convidar o cineasta alagoano para fazer um filme juntos. “Ele ficou fascinado com a história de três índios levados à Europa e quis escrever o roteiro sobre eles”, relembraria Cacá.
O filme nunca chegou às telas devido ao desencontro dos dois, que só voltariam a se ver anos depois, cada um com projetos diferentes. Mais de cinco décadas depois, o cineasta alagoano diria que se tivesse que filmar uma obra de García Márquez, não pensaria duas vezes a que escolheria: “Algum parágrafo de ‘Cem Anos de Solidão’”.
Cacá diria que a obra icônica de Gabriel García Márquez é um livro seminal. "A literatura latino-americana existe antes e depois de “Cem Anos de Solidão”. Não é que não tenha nada melhor que isso. Tem. A gente tem Alejo Carpentier, o cubano que é um escritor extraordinário [cuja literatura é associada ao realismo fantástico, a mesma escola de Gabriel García Márquez]. No Brasil, nós temos tanta gente importante, como Guimarães Rosa, Machado de Assis, enfim, Graciliano, que eu adoro. Mas na verdade, aquele jeito de escrever inaugurou uma outra coisa", confessaria.
“Eu era muito amigo do Gabriel Garcia Márquez. Eu conheci Gabo em 1970, em Paris, algum tempo depois de ter lido ‘Cem Anos de Solidão’. A gente ficou muito amigo. Depois o revi aqui no Brasil e em Cuba, umas duas ou três vezes. Mas eu não o via há muitos anos. Ele era uma pessoa admirável, não só um escritor extraordinário. Até uma época a gente tinha um plano”, relembraria Cacá.
E completaria: “Eu fui visitá-lo em Barcelona, na época em que ele morava por lá. E ele tinha um plano de fazer um filme sobre três índios que fugiram de Barcelona. [Na época do descobrimento da América], os descobridores levavam não só frutas, peixes etc., mas também índios para exibir na Europa. [Numa dessas vezes, levaram três índios]. Dois deles morreram e um, fugiu. Ninguém sabe o que aconteceu. Então, a ideia maluca do Gabo era para fazer um filme sobre esse que desapareceu, sobre o que aconteceu com ele. Acabamos não fazendo, claro. Mas a gente dava muita risada com essa ideia.
Cacá contaria que a ideia não vingou porque o mundo do cinema é muito complicado. "Surge outra ideia, surge outro projeto que é mais fácil de fazer, sei lá”, diz. “Ele também saiu de Barcelona. Enfim, [não deu certo] por vários motivos. Sempre continuei muito amigo dele, e [a morte dele] é uma perda muito grande. Gabo era não só um grande escritor – ‘Cem anos de Solidão’ é um livro extraordinário – como também um homem muito importante. Um homem que incentivou uma cultura latino-americana em todas as áreas, inclusive no cinema”.