Entre as festas que animam as noites de Maceió, o “Banho de Lua” tem conquistado cada vez mais adeptos. Realizado nas piscinas naturais de Ponta Verde e Pajuçara, o passeio transforma o mar com luzes fortes, música alta e bares flutuantes.
Comercializadas por jangadeiros e guias turísticos locais, as festas nos recifes de corais atraem pessoas de diferentes perfis, todas em busca de uma experiência inesquecível sob a luz da lua. No entanto, o aumento do fluxo de visitantes tem gerado preocupação entre biólogos e pesquisadores, que alertam para os possíveis impactos ambientais.
O professor do Laboratório de Ecologia e Conservação no Antropoceno (Ecoa Lab) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Robson Santos, é um deles, que alerta para as graves consequências ecológicas dessas atividades tanto a curto quanto a longo prazo.
Entre os principais impactos, Santos menciona a quebra e o dano físico aos organismos recifais, o acúmulo de lixo e os impactos sonoros e luminosos que afetam o comportamento e a reprodução de diversas espécies.
“A iluminação artificial intensa pode desorientar organismos marinhos, afetar o comportamento e reprodução de corais e pode atrair predadores para áreas onde normalmente não estariam”, explica.
Além disso, ele pontua que a música alta prejudica a comunicação de peixes e invertebrados, causando estresse em organismos sensíveis, como tartarugas marinhas que utilizam os recifes como local de descanso.
“Todas essas atividades são um estresse crônico que quando somadas aos impactos que já existem, como aporte de esgoto e lixo, e aos eventos intensos de aquecimento das águas, decorrentes das mudanças climáticas, criam um cenário que pode levar a perda ou degradação intensa dessas áreas”, esclarece.
Opiniões divergentes e preocupações ambientais
A estudante de Biologia da Ufal, Maria Júlia Teodósio, já havia se manifestado contra os passeios e, recentemente, fez uma publicação em suas redes sociais sobre o caso. Ela descreve o passeio como “apavorante”.
“É um sentimento de ansiedade, sabe? Nervosismo. O passeio foi vendido como um banho de lua nas piscinas naturais, mas, quando chegamos lá, era simplesmente um clima de rave”, relata.
A estudante ainda destaca o uso de luzes fortes e som alto pelas embarcações, além do impacto no ambiente marinho, com barcos raspando corais. “Muitas pessoas pensam que são pedras, mas, na verdade, são animais vivos que servem de ‘casa’ para outros seres marinhos, tanto vertebrados quanto invertebrados”, explica.

O estudante de letras e agente comunitário de saúde, Gabriel Ferreira, participou do passeio em um catamarã turístico e, apesar de já ter lido sobre os impactos gerados por esses banhos, incluindo o tombamento de uma embarcação, no último dia 26 de dezembro do ano passado, ele acredita que a diversão não deve ocorrer à custa do meio ambiente.
“A partir do momento em que para ser divertido precise afetar o meio ambiente, é necessário, sim, que haja uma fiscalização. Nem todos têm a consciência ecológica necessária. Notei várias vezes pessoas jogando lixo no mar, mesmo com os responsáveis pelos catamarãs e jangadas por perto. Vale ressaltar que existiam locais apropriados para o descarte de resíduos, mas nem todos seguem as regras como deveriam”, diz.
Por outro lado, Matheus Melo, que é dentista, fez o passeio em uma jangada e destacou a atmosfera agradável e o trajeto até as piscinas naturais. Ele não estava ciente das questões ambientais relacionadas ao passeio, mas acredita que, embora o evento não precise ser proibido, é essencial que haja fiscalização e medidas adequadas para garantir a preservação.
Fiscalização adequada e redução dos impactos ao turismo
Segundo o pesquisador da Ufal, existem normas ambientais que regulamentam o turismo em áreas recifais. Entretanto, a efetividade dessas normas depende do cumprimento e da fiscalização adequada.
Para ele, o turismo desordenado pode comprometer a sustentabilidade dos recifes, mas, quando bem regulamentado, pode ser uma ferramenta para sua conservação.
“O turismo pode e deve ser uma ferramenta de conservação dos ecossistemas recifais, pois ele ajuda a conectar as pessoas a estes ambientes, mostrar suas belezas e perceber suas fragilidades”, ressalta.
Para reduzir os impactos negativos do turismo sem prejudicar a economia local, o especialista pontua a necessidade de regulamentar a atividade, ouvindo tanto os operadores de turismo quanto os especialistas ambientais.
A adoção de práticas sustentáveis, como a restrição de iluminação artificial e de som alto, a educação ambiental dos turistas e a implementação de regras claras para o uso das áreas recifais, são algumas soluções viáveis.

O comércio no entorno do “Banho de Lua”
O jangadeiro Luiz Humberto conta `a reportagem que esta sendo gratificante para ele e para seus companheiros “90% das pessoas que trabalham com esse passeio dependem exclusivamente da pesca. Para quem passa 8 a 10 dias em alto-mar, muitas vezes sem conseguir sequer recuperar o investimento feito, esses passeios representam uma oportunidade de melhorar a qualidade de vida.” expressa.
Quando questionado sobre a segurança dos banhistas e das embarcações, ele reafirma sua experiência e a de sua equipe no mar. Relata que vive da pesca desde os sete anos de idade, mergulhando e auxiliando o pai, e destaca que, mesmo com toda a vivência, busca sempre se especializar por meio de cursos oferecidos pela colônia de pescadores.
“Agora isso não quer dizer que a gente não tem que se capacitar cada vez mais para fazer esse tipo de serviço, né? Nós fizemos, sim, curso na Marinha, tanto curso para se se qualificar, né, para ter habilitação, como curso de especialização, ou seja, para lidar justamente com o público, também na questão de segurança”, conta.
Ele explica que as embarcações com as quais trabalha são jangadas, que diferem dos catamarãs. Seu Luiz esclarece que as jangadas são feitas de madeira e, em seu interior, são revestidas de isopor, o que impede que afundem. Já os catamarãs, por serem ocos por dentro, podem naufragar caso sejam perfurados.
Com a popularidade dos banhos de lua em Maceió, muitos jangadeiros, assim como Luiz Humberto, enxergam nesses passeios uma nova oportunidade de sustento, sem abdicar da segurança e da qualificação profissional.
Frequentadores e turistas podem ajudar na redução dos impactos
A preservação dos recifes não exige a renúncia ao lazer e ao turismo, mas sim a adoção de práticas mais sustentáveis. O professor da Ufal volta a destacar a importância da consciência ambiental e do respeito às normas de uso das áreas recifais. Algumas atitudes que podem contribuir incluem:
- Evitar o uso de materiais descartáveis e embalagens plásticas nas praias e recifes;
- Seguir as regras estabelecidas em áreas de Proteção Ambiental, como a APA Costa dos Corais;
- Evitar pisotear organismos recifais ao caminhar sobre os recifes;
- Promover a redução do lixo e incentivar o tratamento de esgoto na cidade.
Atuação dos órgãos fiscalizadores
Sobre o assunto, o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA/AL) informou, por meio de nota, que fiscaliza, disciplina e promove a conscientização ambiental em áreas praias, que não sejam incluídas na APA dos Corais.
Além disso, o órgão estadual destaca que acompanha atentamente as investigações e iniciativas que visam aprimorar a administração desses espaços, estando atualmente envolvido na elaboração de um novo plano de gestão para a praia de Ponta Verde, seguindo o modelo já implementado com sucesso em Pajuçara. Veja a nota na íntegra:
“O IMA informa que fiscaliza, disciplina e promove conscientização ambiental em áreas recifais e praias não incluídas na APA Costa dos Corais, sob gestão do ICMBio.
O órgão também acompanha discussões e prepara um novo plano de gestão para Ponta Verde, como já realizado na Pajuçara.”
Além do IMA/AL à reportagem também entrou em contato com a Secretaria Municipal de Turismo, mas não obteve resposta.
Em contrapartida, o Corpo de Bombeiros Militar de Alagoas (CBM/AL) informou que, em parceria com a Colônia de Pescadores de Maceió, realiza ações educativas para banhistas e jangadeiros, por meio de palestras e treinamentos sobre manobras de salvamento.
*Estagiária sob supervisão da editoria
Foto de capa: Reprodução Redes Sociais