"Eu já sofri violência na rua, com clientes, com parte da minha família. Falar sobre o assunto abre mentes sobre nosso trabalho e vida. Dar voz à nossa comunidade é essencial". Com esse desabafo, Zoe Wenddley emocionou os participantes da roda de conversa promovida pelo Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público Estadual (MP), Defensoria Pública Estadual (DPE) e Ministério Público do Trabalho (MPT). O encontro buscou informações para políticas públicas que garantam inclusão, visibilidade e direitos.

“Uma das funções da PRDC é fazer esse papel de ouvidor da sociedade. Por vezes a demanda não é do MPF, mas a gente tem o dever de ouvir essa demanda, de encaminhar para o tratamento, é um dos papéis mais importantes da PRDC. No encontro de hoje, tivemos muitas intersecções com minorias, como por exemplo população de rua, pessoas trans, existe uma gama de direitos que acabam sendo negados, por não saberem que eles existem”, comentou o procurador da República Bruno Lamenha,

Coordenado por Bruno Lamenha (Procurador Regional dos Direitos do Cidadão), Alexandra Beurlen (Promotora de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos), Isaac Souto (Defensor Público – NPC/DPE-AL) e Cláudia Soares (Procuradora do Trabalho e Coordenadora de Combate à Exploração do Trabalho Infantil), o evento contou com a presença de Antônio José Araújo (Juiz Federal, Comitê Pop Rua Jud/AL), Luiza Jaborandy (Presidente do Conselho Curador da Fundação de Apoio à Diversidade) e Cristiana Garcia (China), representante do Movimento Brasileiro de Profissionais do Sexo.

“Nós somos invisíveis perante a sociedade, todos pensam que nossa vida é fácil, mas não é. Tem complicação, preconceitos, e aqui é o primeiro espaço que temos, de receberem a gente, abrir as portas, porque nunca tivemos isso, para aprendermos nossos direitos. Como liderança, trabalhamos nisso, numa maior visibilidade para as trabalhadoras sexuais”, contou China, como Cristiane Garcia gosta de ser chamada.

Acesso a direitos 

A conversa ofereceu um espaço seguro para que trabalhadoras sexuais, cis e trans, relatassem suas experiências e desafios enfrentados no exercício da profissão, reconhecida desde 2002 pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).  Entre os principais temas discutidos estavam dificuldades de acesso a direitos, precariedade na capacitação e empregabilidade, ausência de oportunidades de trabalho, necessidade de mutirões para emissão de documentos e mudança de nome, preconceito, sobretudo de autoridades policiais, além de saúde mental, dependência química e apoio psicossocial.

Também foi abordado aperfeiçoamento no cadastramento no INSS, garantindo aposentadoria e auxílio-doença, uma vez que a atividade já encontra-se no rol das profissões reconhecidas. O reconhecimento da profissão e sua regulamentação foram debatidos como caminhos para garantir segurança e dignidade para essa população.

A procuradora do trabalho Cláudia Soares destacou a importância do associativismo para fortalecer direitos, combater a violência de gênero e a exploração sexual e ampliar a cidadania. Foi sugerida a realização de oficinas on-line com associações de outros estados, promovendo troca de experiências e fortalecendo iniciativas locais. “É importante olhar sobre os direitos previdenciários, o reconhecimento formal desse trabalho pela CBO e a partir daí essa luta associativa por melhores condições de trabalho, de vida, de cidadania”, pontuou.

Novos horizontes 

As instituições presentes reafirmaram o compromisso de construir estratégias conjuntas para garantir a efetivação de direitos e ampliar o acesso a políticas públicas inclusivas para profissionais do sexo em Alagoas. 

“Por mais que estudemos, inclusive dados sociais, é totalmente diferente quando você se aproxima da realidade. A escuta dessas mulheres permite que a gente compreenda outras nuances, e perceba também outras esferas que poderíamos atuar, não só em relação ao direito do trabalho, mas também diversas outras questões”, finalizou a promotora Alexandra Beurlen.

"Eu acho que podem haver mudanças, há esperança. Nós hoje somos invisíveis, e podemos nos tornar visíveis para a sociedade. O evento de hoje foi perfeito, bem instrutivo, e torço para que venham outros. E foi importante ser na data de hoje, Dia Nacional da Visibilidade Trans", concluiu Melissa Bianca, profissional do sexo.