“A cada dia, a situação só piora. Quem tinha negócios, como eu, já não consegue crescer financeiramente, porque a população que movimentava a economia do bairro foi embora”, lamenta o comerciante Valdemir Alves, morador da comunidade dos Flexais e membro da Associação do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB).

Assim como Alves, os residentes da região vivem uma situação de abandono, estando na borda do mapa de realocação estabelecido pela Braskem. Isolados socioeconomicamente e enfrentando a desvalorização de seus imóveis, eles lidam com a falta de perspectivas e a sensação de esquecimento. 

“Assassinou a rotina diária, o bem-estar. Não existe bem-estar ou rotina quando tudo isso é tirado, não é? Hoje, não há mais desejo ou vontade de permanecer em uma área de onde a população, que gerou o poder econômico para o bairro, foi retirado à força e, além disso, estamos sendo obrigados a permanecer em um lugar onde não há mais condições de vida digna”, relata.

Cerca de 3 mil pessoas vivem em isolamento social e econômico nas comunidades do Flexal de Baixo e Flexal de Cima. A exploração de sal-gema pela Braskem em Maceió, causou o afundamento do solo em cinco bairros: Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e parte do Farol. Com isso, forçou a desocupação de 15 mil imóveis e expulsou cerca de 60 mil moradores de suas casas. 

Em novembro do ano passado, a mineradora foi indiciada pela Polícia Federal (PF), por cinco delitos, incluindo crimes ambientais e falsidade ideológica. Ao todo, foram indiciados 19 pessoas ligadas à empresa e órgãos ambientais de controle. O inquérito foi entregue a 2ª Vara Federal de Alagoas e à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que acompanhou o caso. 

Especialista analisa impactos urbanos e sociais da situação

Em conversa com o CadaMinuto, o arquiteto e gestor público Dilson ferreira, esclareceu algumas questões sobre as desvalorização da região e seus imóveis. 

O especialista explica que a desvalorização imobiliária afeta prioritariamente os bairros das áreas vermelhas, mas também influenciam as áreas vizinhas (as bordas) gerando danos financeiros e psicológicos para os moradores. 

“Seguradoras não oferecem cobertura para esses imóveis, e muitos moradores ficam vulneráveis, já que sequer conseguem pagar um seguro. Essa percepção de risco afeta negativamente tanto os proprietários quanto os potenciais compradores e o mercado local”, relata o arquiteto. 

As rachaduras começaram a surgir em 2019, coincidindo com o período em que imóveis localizados na atual área de risco começaram a apresentar problemas estruturais decorrentes do afundamento do solo.

O que chama atenção agora é que imóveis fora da área de risco também estão apresentando danos estruturais, que têm se agravado com o tempo. 

Ele contou que os estudos indicam que essas áreas podem estagnar e que algumas medidas, como a ampliação do mapa de risco e o monitoramento de novas regiões, foram implementadas. Além disso, processos judiciais em busca de atualizações representam um avanço importante para a população compreender o risco real.

Defensoria quer processar Braskem por desvalorização imobiliária 

A realidade vivida por Valdemir e por tantos outros moradores da borda do mapa de risco  motivou a Defensoria Pública do Estado (DPE) a considerar o ingresso de uma ação judicial contra a mineradora. 

A iniciativa busca garantir que os direitos dessas famílias sejam reconhecidos e que elas sejam incluídas nos processos de indenização e realocação, assim como ocorre com os demais bairros afetados pelo afundamento do solo. 

Segundo o coordenador do Núcleo de Proteção Coletiva da Defensoria Pública do Estado, o defensor público Ricardo Melro, não é necessário que o imóvel esteja habitado para ser incluído na ação coletiva. 

O defensor esclarece que imóveis fechados também podem ser incluídos, desde que a posse ou propriedade seja comprovada e fique evidenciada a desvalorização devido à proximidade com a área de risco. O objetivo principal é comprovar o impacto negativo nas condições da região sobre o valor de mercado dessas propriedades.

Embora a participação na audiência pública não seja obrigatória para receber indenização, Melro destaca sua relevância. “As audiências servem para esclarecer à população os objetivos da ação e coletar informações relevantes, como avaliações de desvalorização realizadas por engenheiros ou corretores”, explica. 

O coordenador enfatiza que a presente ação coletiva trata exclusivamente de indenizações por desvalorização imobiliária. Outros tipos de danos, como problemas de saúde ou perdas comerciais, serão objeto de processos distintos. “Essa separação é necessária para garantir que o andamento processual não seja prejudicado pela inclusão de múltiplas demandas”, pontua.

Para Valdemir, a ação da DPE pode abrir caminho para novas oportunidades e trazer justiça às famílias afetadas. Para ele, essa iniciativa reforça a necessidade de reconhecer a gravidade da situação vivida pela comunidade e garantir que a população obtenha respostas concretas. 

Um canal foi disponibilizado para o envio de documentos: desvalorizacao.imoveis.braskem@gmail.com. Além disso, essas reuniões têm possibilitado identificar demandas adicionais, como rachaduras em imóveis fora do mapa oficial das áreas de risco.

Como será realizada a indenização?

A ação reconhece os direitos individuais homogêneos das vítimas, ou seja, direitos com origem comum, mas particularidades em cada caso. Após o julgamento, a decisão judicial será genérica, obrigando a Braskem a indenizar a desvalorização imobiliária. Cada vítima poderá, então, ingressar com uma liquidação judicial, etapa em que será definido o valor da indenização com base nas características específicas do imóvel, como localização e grau de desvalorização.

Por fim, o defensor ressaltou que, devido à complexidade do caso e às possíveis instâncias superiores envolvidas, o julgamento poderá levar pelo menos 10 anos. “O tempo depende de fatores como a agilidade dos julgadores e os recursos interpostos ao longo do caminho”, finaliza.

 

mapa da borda da área de risco - Foto: Reprodução

 

*Estagiária sob supervisão da editoria 

Foto de capa: Bruna Pereira