Jair Bolsonaro não vai aos Estados Unidos. Chegamos ao século 21 para ver um assunto desses no centro do debate político no Brasil. O ex-presidente queria ir à posse de Donald Trump, marcada para o próximo dia 20. A viagem foi negada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, alegando risco de fuga e outros motivos. Era a decisão esperada. O passaporte do golpista está apreendido desde o ano passado.

A direita foi às redes denunciar mais um ato de violência perpetrado pela “ditadura do Judiciário”. O tom de comentaristas na Jovem Pan e na revista Oeste é de escândalo. Vale o mesmo para O Antagonista. Na CNN e na Band, a pegada é mais leve, mas tem sempre uma voz e outra mais alarmistas. “Preocupados” com avanços do STF sobre pautas do Legislativo, esses analistas reforçam a narrativa particular de Bolsonaro.

Até ontem ninguém aqui estava preocupado com o destino de Nixon, Carter ou Reagan. Hoje não. Investimos energia para explicar tudo sobe os bastidores não apenas da política americana, mas do resto do mundo. Uma opinião sobre Kamala Harris e uma crítica aos líderes do Hezbollah surgem com a mesma naturalidade. Mundo pequeno.

A defesa da democracia norteia os que defendem Bolsonaro, aqui e lá fora. É o que eles dizem. O argentino Javier Milei é um dos mais fortes parceiros, e dos mais barulhentos. Em seu país, o sujeito toca uma série de investidas para apagar a história sangrenta da ditadura militar. Se era para incendiar, mais ainda, a guerra cultural, é isso aí.

Ao contrário do Brasil, as questões internacionais sempre foram prioridade para o eleitorado americano. E o interesse, claro, sempre foi a expansão do império. Daí que Trump promete, de novo, a América gigante como num passado perfeito que nunca existiu. Novas e antigas demandas se misturam e se atualizam no pandemônio da vez.

Democracia globalizada, conflitos regionais e ameaças à soberania dos países. Do nada, o brasileiro é capaz de trocar pontapés para defender (ou condenar) um projeto de lei que tramita no parlamento da Alemanha. Ou da Índia. Nunca fomos tão cosmopolitas.