A repetição do absurdo naturaliza o inaceitável. Nos últimos dias, o noticiário destacou episódios de violência, no Rio e em São Paulo, com uma particularidade perturbadora: motoristas foram assassinados ao entrarem, sem querer, em áreas dominadas pelo crime organizado – o tráfico de drogas e as milícias. Mas as notícias recentes expõem uma realidade muito antiga. Há décadas, essa é a rotina nas metrópoles brasileiras.

Bairros inteiros nos quais o poder público não entra. Ou, para chegar lá, somente em operações especiais, com aparato e disposição para o confronto. No resto do ano, traficantes ou milicianos – ou os dois segmentos juntos – “administram” o dia a dia de milhares de pessoas. Em permanente estado de guerra, as quadrilhas monitoram o fluxo de pedestres e veículos. Um estranho numa região corre o risco de execução sumária.  

Não é que isso ocorra em Maceió, ou em capitais de porte semelhante. Essa é a realidade nas maiores cidades do país, capitais dos estados mais ricos e tudo o mais. No principal cartão-postal brasileiro, um turista acaba morto porque errou o caminho e entrou em território miliciano. Nesse aspecto cariocas e paulistanos empatam.

E não se vê governador nenhum apresentar um projeto capaz de enfrentar a calamidade. No atual contexto, governadores dos maiores estados ensaiam uma articulação contra um conjunto de medidas formulado pelo Ministério da Justiça. Os gestores estaduais alegam que a iniciativa do governo fere a autonomia federativa. Quem acredita nisso?

Cláudio Castro (Rio), Tarcísio de Freitas (SP), Romeu Zema (MG) e Eduardo Leite (RS) exigem socorro do governo para o combate à violência, mas, no fim das contas, o que eles querem é dinheiro. Afora isso, nada de “intromissão descabida” na independência dos estados. É difícil. Com cada um no seu estilo, o quarteto é oposição sistemática. 

Submetido ao crime organizado, governador que não governa o próprio quintal deveria renunciar. Em vez disso, como se tivesse moral para tanto, posa de exigente diante do governo federal e do eleitorado. A segurança pública, como provam os grandes centros urbanos, humilha os gestores incapazes de formular medidas com alguma originalidade.

Um projeto nacional para o setor esbarra nas disputas eleitorais. Um desalento.