A cena: o diretor da empresa determina que seja feita uma “contabilidade criativa” para maquiar as contas do mês. Foi algo mais ou menos assim o que apareceu em alguma novela da Globo nesses dias. Ninguém tomaria conhecimento do episódio noveleiro – não fosse o Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo. Numa confusão entre ficção e vida real, a vetusta entidade resolveu tomar providências.
Parece coisa de quem não tem o que fazer, mas, no site do CRC-SP, foi publicada uma “nota de repúdio”. Diz o texto que a trama da Globo desrespeita “a ética e a seriedade que fundamentam a profissão contábil”. O lance de dramaturgia, ainda segundo a nota, “contribui para a disseminação de estigmas equivocados” sobre a honrada categoria profissional. Nada mais natural do que uma reação à altura para repor a verdade.
Certas tradições, de fato, justificam tal classificação e nunca vão acabar. Episódios semelhantes se espalham pelas décadas de novelas globais. Profissionais da medicina, policial, motorista, professor – todo mundo já reclamou do modo como foi retratado numa obra de ficção. Em algumas situações, a marmota foi bater nas barras da Justiça. Que eu lembre, a choradeira nunca rendeu derrota judicial para a TV Globo.
Mas eu falei de tradições. Aqui, estamos diante do imorrível corporativismo, uma maldita tradição que atravessa a história brasileira. Aliás, este não é um traço do qual possamos nos orgulhar da originalidade. É praga universal. A preocupação casuística com a turma expõe, como no caso de agora, uma cegueira para o ridículo. Não há lógica na ligação direta que faz a entidade entre fantasia e perseguição a uma profissão.
É para isso que servem essas associações privadas. Pode ser o Conselho de Contabilidade, pode ser o Conselho de Medicina, pode ser qualquer outro de mesmo traquejo com a demagogia. A pretexto de “defender” um segmento profissional, esses escritórios particulares se metem na politicagem e atuam a serviço deste ou daquele grupo político. Nas horas vagas, fabricam alguma patetice para os holofotes.