O debate sobre o complexo de vira-lata retornou ao dia a dia do brasileiro. Ou quase isso. A ideia vai e volta ao longo das últimas sete décadas, desde que Nelson Rodrigues criou o conceito. Agora, a origem do falatório está na atriz Fernanda Torres e no filme Ainda Estou Aqui. Depois da conquista no Globo de Ouro, a expectativa é para uma vaga na disputa final do Oscar. Quem sabe, o topo. A imprensa não fala de outra coisa.

E daí? A turma pela direita subestima o feito da atriz e apela para a acusação de “viralatismo”. Curiosamente, a turma pela esquerda devolve a mesma acusação. Na verdade, desse modo o conceito acaba expandido, digamos assim, longe de seu referencial na largada. Nelson falava de futebol e da Seleção Brasileira quando eternizou a expressão. Falava, com exagero calculado, dos “mistérios e loucuras da nossa alma”. 

Tão grave e recorrente quanto o bate-boca sobre a essência vira-lata é o caso Brasil no Oscar. Desde que o mundo é mundo, gerações especulam, em épocas distintas, os rumos do cinema brasileiro sem esse prêmio definitivo. O pagador de Promessas, O Quatrilho, O que é isso Companheiro e Central do Brasil tentaram, mas bateram na trave. Nenhum é um grande filme, verdade seja dita, e O Quatrilho é um erro de ponta a ponta.

Glauber Rocha, inimigo mortal do imperialismo americano, estaria cuspindo fogo numa hora dessas, em que rezamos por um Oscar. Mentes colonizadas, diria o diretor de Terra em Transe – uma obra que jamais chegaria ao tapete vermelho de Hollywood. Bem, o cineasta é a síntese de uma visão que parte para o confronto, sem concessões éticas e estéticas. Do outro lado, os mercados – o material e o simbólico – decidem tudo.

O alagoano Cacá Diegues já se viu obrigado a responder a esse questionário, aqui mesmo em entrevista à TV Gazeta. “Por que o Brasil nunca ganhou o Oscar?”. Meio constrangido, o diretor disse alguma frase e trocou de assunto. Porque é mesmo constrangedor. Mas o enigma não é típico dos rincões como Alagoas – atravessa todos os níveis do que antes era chamado de indústria cultural. Agora voltou com tudo.

Sobre o Oscar, o filme nem está na final ainda, mas parece que todos apostam na indicação. Torcer contra é a escolha errada segundo quaisquer critérios cinematográficos e existenciais. Sobre o viralatismo, palavra e conceito estão cancelados em nome do respeito à igualdade animal. Nelson Rodrigues provavelmente discordaria.