A despedida de um ente querido deveria ser marcada por respeito e dignidade, mas em Maceió, essa última homenagem tem sido um desafio doloroso para muitas famílias. 

A crise nos cemitérios públicos da capital alagoana expõe não apenas a falta de estrutura, mas também o abandono e a negligência com aqueles que buscam um lugar de descanso eterno para seus familiares.

“Meu primo mesmo foi enterrado assim, de uma forma tão precária que dá até revolta”, desabafa sobre as covas rasas Neirevane Nunes, ex-moradora de Bebedouro — um dos cinco bairros afetados pelo afundamento do solo provocado pela Braskem, que forçou a desocupação de 15 mil imóveis e expulsou cerca de 60 mil moradores de suas casas. 

O familiar dela foi sepultado no Cemitério Santo Antônio, localizado no bairro, que foi fechado em 2020 devido ao afundamento. Além dele, o cemitério São José, localizado no bairro do Trapiche da Barra, vem sofrendo também com a superlotação e problemas de contaminação de solo. Atualmente, Maceió dispõe de apenas oito cemitérios públicos.

 

Cemitério São José, no bairro Trapiche da Barra – Foto: Bárbara Wanderley/Secom Maceió

 

Respeito à memória

O fechamento do Cemitério Santo Antônio, em decorrência da exploração desenfreada de sal-gema pela Braskem, mobilizou uma ação conjunta entre o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Estado de Alagoas (MP/AL) e a Defensoria Pública da União (DPU). 

Desde 2023, os órgãos de controle têm emitido recomendações à Braskem e ao Município de Maceió com o objetivo de mitigar os impactos à população local e preservar a dignidade das famílias afetadas.

Por meio de nota, o MPF pontuou que as principais medidas adotadas incluem:

  • Ampliação do Cemitério São Luiz: Uma das ações paliativas foi a desapropriação de um terreno adjacente no bairro Santa Amélia, para ampliar o Cemitério São Luiz e aliviar a superlotação dos cemitérios municipais. Essa situação é consequência direta da interrupção dos sepultamentos no Cemitério Santo Antônio, localizado em Bebedouro. De acordo com a Prefeitura de Maceió, as obras de ampliação já estão em andamento.
  • Indenizações às Famílias Afetadas: Foi recomendado à Braskem a criação de um Programa de Compensação para indenizar os titulares de jazigos do Cemitério Santo Antônio, que enfrentam dificuldades como a privacidade de visitas, falta de espaço para novos sepultamentos e incertezas sobre o destino dos restos mortais de seus entes queridos. As indenizações visam reparar os danos materiais e morais sofridos pelas famílias.
  • Transformação do Cemitério em Memorial: Desde sua reabertura para visitação em 2023, o Cemitério Santo Antônio tem sido monitorado pelas instituições para garantir o cumprimento do acordo entre a Braskem e o Município. O local, que teve suas atividades suspensas em 2020, está sendo preservado como um espaço de memória e homenagem.

O MPF realizou recentemente uma inspeção no Cemitério Santo Antônio para compreender melhor as dificuldades na identificação dos jazigos e titularidades. Os órgãos enfatizam que o termo de acordo entre a Braskem e o Município trata de questões patrimoniais e que os danos sofridos pelos titulares dos jazigos demandam soluções específicas.

As negociações continuam visando garantir as indenizações devidas, priorizando o respeito à memória e à dignidade das famílias impactadas pelo fechamento do cemitério.

 

Promessas não cumpridas

O Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB) também destaca que a crise funerária de Maceió se agrava pela falta de cumprimento das promessas do acordo firmado entre a Braskem e o município. 

Além disso, a Defensoria Pública do Estado (DPE) busca na justiça que a Braskem indenize as famílias proprietárias de jazigos no Cemitério Santo Antônio, interditado devido ao desastre socioambiental causado pela exploração mineral. 

A ação também requer indenizações por danos morais e materiais aos titulares dos jazigos, diante das condições indignas enfrentadas pelas famílias afetadas, além da reparação pela impossibilidade de uso do cemitério que, por sua vez, reflete o agravamento do impacto social provocado pela negligência da empresa.

Embora o acordo inclua a construção de um novo cemitério como solução definitiva, a Prefeitura de Maceió apresentou apenas avanços relacionados à ampliação do Cemitério São Luís, considerado apenas uma solução provisória. 

Diante da ausência de medidas concretas para viabilizar o novo cemitério, o MUVB requereu judicialmente o bloqueio da última parcela do acordo, no valor de R$ 250 milhões, para assegurar que os recursos sejam aplicados na construção do cemitério prometido. A solicitação inclui a compra do terreno e a execução de um cronograma de obras claro. Além disso, o MUVB aguarda a decisão do juiz da Terceira Vara da Justiça Federal sobre o pedido.

Segundo dados de 2023 da Autarquia Municipal de Desenvolvimento Sustentável e Limpeza Urbana (Alurb) registrou 1.855 sepultamentos em covas rasas nos cemitérios públicos de Maceió, representando uma média de cinco sepultamentos diários. 

Diante da crise enfrentada pelo sistema funerário de Maceió, a prefeitura implantou a Central Única de Sepultamentos, visando auxiliar a população e agilizar os processos relacionados aos cemitérios da cidade. A unidade realiza uma triagem e distribui as vagas disponíveis, simplificando o procedimento para as famílias. 

Após o atendimento, elas saem com todos os processos encaminhados, incluindo o registro do óbito no cartório e o sepultamento agendado. Contudo, surge uma dúvida: onde essas famílias poderão sepultar seus entes queridos, se todos os cemitérios estão superlotados e enfrentam sérios problemas estruturais? 

Em nota ao CadaMinuto a Prefeitura de Maceió apenas informou que o projeto ainda está em fase de estudo para melhor execução e não deu mais detalhes. Veja o posicionamento na íntegra:

“A Autarquia Municipal de Desenvolvimento Sustentável e Limpeza Urbana (ALURB) informa que a construção de um novo cemitério está em fase de estudos por parte do órgão para verificar qual a melhor forma de execução da obra.

Por enquanto, o órgão trabalha na ampliação do Cemitério São Luiz, localizado na Santa Amélia, que está em fase de obras após passar por burocracias na desapropriação do terreno.” 

A Braskem informou que o acordo firmado com o Município de Maceió, em julho de 2023, estabelece a implementação de ações específicas pela Prefeitura, incluindo a construção de um novo cemitério na capital, entre outras iniciativas. O acordo também prevê que o Cemitério Santo Antônio continuará funcionando como memorial e estará aberto à visitação, sob a gestão da Prefeitura.

*Estagiária sob supervisão da editoria 

**Foto de capa: Cemitério Santo Antônio, no bairro Bebedouro – Edilson Omena/Tribuna Hoje