O presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e ministros a perder de vista vieram a público parabenizar Fernanda Torres. Ministros do STF fizeram o mesmo, assim como autoridades de todas as esferas da República. Políticos, empresários, artistas, celebridades e influenciadores expressaram orgulho pela vitória da brasileira no Globo de Ouro. Ela derrotou lendas contemporâneas do cinema americano. Um feito e tanto.

Não vi o filme ainda. Fernanda Torres conheceu a glória aos 21 anos de idade, quando ganhou a palma de ouro de melhor atriz no festival de Cannes. De lá para cá, manteve-se no topo, atacando também de cronista e escritora. Fim, sua estreia no romance, parece coisa de veterano. A segunda investida na ficção veio com A Glória e seu Cortejo de Horrores, confirmando o domínio técnico e a imaginação da escrita.

Voltando ao Globo de Ouro. Não parecia que o evento teria todo esse potencial de mobilização no Brasil. Mas, de repente, o povo estava nos bares – como nas Copas do Mundo – para torcer pela Seleção. No caso, a torcida era para o time de uma mulher, apenas. Embora parte de uma realização coletiva, quem estava sob julgamento era a atriz. Os torcedores foram ao delírio quando o resultado da disputa foi revelado.

Não, nem todo mundo torceu a favor. Assim como ocorreu com o documentário Democracia em Vertigem, de 2019, a polarização política rachou também o ambiente cultural. O filme de Petra Costa, que retrata a queda de Dilma Rousseff, concorreu ao Oscar em 2020 – mas, para felicidade do bolsonarismo, não levou a estatueta. No caso de Fernanda Torres, as correntes pela direita têm dupla razão para torcer contra.

A razão mais antiga é a associação da atriz a pautas da esquerda – e isso nem é lá cem por cento verdadeiro. O problema de agora é precisamente o filme pelo qual a atriz está sendo premiada pelo mundo. Ainda Estou Aqui é tudo o que direitistas, revisionistas e defensores da ditadura não querem ver. A obra se junta a uma série de títulos sobre o regime instaurado em 1964 e que arruinou o país durante 21 anos. Foi golpe.

Boa parte das redes sociais pula carnaval com a vitória da atriz brasileira. Mas a zoada também é forte entre os seguidores do ex-presidente Jair Messias. Para atacar o filme “comunista” de Walter Salles, o metaverso desencavou os slogans dos anos 1960, contra Cuba e em defesa da família. Resumindo, a direita não viu e odiou Ainda Estou Aqui. Guerra cultural eterna. Um país dividido. Nem Fernanda Torres consegue uma trégua.