A descriminalização do uso da maconha no Brasil tem gerado debates intensos na sociedade. Defensores veem a medida como crucial para combater o encarceramento em massa, enfraquecer o tráfico e garantir direitos individuais. Críticos temem aumento do consumo e dificuldades na regulação.
Em Alagoas, uma pesquisa inédita conduzida pelo Ibrape em parceria com o CadaMinuto trouxe um panorama da opinião pública sobre o tema. O levantamento revela que 71% dos alagoanos são contrários, enquanto 25% apoiam a descriminalização, e 4% afirmaram não ter uma opinião formada sobre o tema.
Nos dados, chama atenção a diferença de opiniões sobre a descriminalização da droga entre as faixas etárias. Cerca de 70% dos alagoanos entre 25 a 60 anos são contra, enquanto entre os jovens de 16 a 24 anos, a oposição é menor, e chega a 53%.
Em relação à escolaridade, 69% com ensino superior são contra, 25% a favor e 6% não sabe ou não opinou. Já entre os analfabetos, 77% são contra, 18% a favor e 5% não sabe ou não opinou.
Em relação à religião, 65% dos evangélicos são contra, 29% são a favor e 5% não sabe ou não opinaram. Já entre os católicos, 74% são contra, seguido de 23% a favor e 4% não sabe ou não opinaram.
Além disso, a maioria das regiões do estado são contra a medida: Agreste (68%), Arapiraca (70%), Grande Maceió (61%), Maceió (70%), Mata (74%), Norte (83%), Sertão (74%) e Sul (65%).
Desinformação e conservadorismo
Em entrevista concedida à reportagem, o advogado e doutor em Ciências Criminais André Sampaio, também professor no Centro Universitário de Maceió (UNIMA/Afya), discute os fatores por trás da oposição à descriminalização da maconha em Alagoas, conforme revelado pela pesquisa realizada pelo Ibrape.
Com 71% da população alagoana se manifestando contra e 25% a favor, Sampaio aponta duas razões principais para esse panorama: a desinformação e o conservadorismo cultural local.
Segundo o advogado, a desinformação tem sido um dos principais fatores para a rejeição à maconha, alimentada por mais de 50 anos de uma “guerra às drogas” que, embora tenha sido ineficaz em muitos aspectos, teve sucesso em distorcer a percepção pública sobre os efeitos das substâncias.
“Campanhas massivas propagaram informações distorcidas e erradas sobre os efeitos das drogas”, explica Sampaio.
Ele destaca que a maconha, em sua forma mais pura, é menos prejudicial do que o tabaco, um produto legalizado. Porém, a ilegalidade da substância faz com que, na prática, o produto final possa ser muito mais perigoso, um reflexo da falta de controle de qualidade.
Outro fator crucial apontado por Sampaio é o conservadorismo enraizado em Alagoas, um estado que, embora apresente um padrão progressista em algumas áreas do Nordeste, mantém uma tendência mais conservadora, especialmente na capital Maceió.
O conservadorismo no interior, com forte componente religioso, também é mencionado como um obstáculo à mudança de postura em relação à maconha. “Esse conservadorismo, seja na capital ou no interior, implica uma resistência às mudanças”, afirma Sampaio.
Sobre a diferença de opiniões entre as faixas etárias, Sampaio explica que os jovens de 16 a 24 anos, com 53% de oposição à descriminalização, tendem a ter uma visão mais favorável ao tema, devido ao maior acesso à informação e ao contato frequente com a substância, especialmente em ambientes de festas e baladas.
Contudo, ele ressalta que, embora os jovens não carreguem o mesmo conservadorismo enraizado dos mais velhos, o cenário pode variar, pois também existem grupos jovens com posturas mais conservadoras.
Quanto à uniformidade da oposição nas diferentes regiões de Alagoas, Sampaio sugere que essa aparente homogeneidade não é uma simples coincidência, já que, embora o estado seja pequeno, as regiões possuem particularidades.
Ele aponta que o conservadorismo, um fator transversal, conecta as diferentes partes do estado, o que pode explicar o consenso contra a descriminalização da maconha.
Sampaio analisa a posição do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a descriminalização, destacando que, apesar da decisão que diferencia traficantes de usuários, as leis estaduais e municipais ainda mantêm proibições severas.
Ele critica a tentativa de muitos estados de contornar a decisão do STF, como as proibições do uso de maconha em locais públicos.
Em Alagoas, existe a Lei Estadual 9.408, de 26.11.24, que prevê sanções administrativas para quem for flagrado em áreas e logradouros públicos utilizando drogas ilícitas em todo o estado. A multa pode chegar a R$ 172,05.
Em Maceió não é diferente, legislação municipal, de autoria do vereador Leonardo Dias (PL), prevê multa de R$ 700 para os infratores, que dobra em casos de reincidência.
“Essas iniciativas podem ser legais, mas muitas vezes extrapolam os limites constitucionais”, observa Sampaio.
STF descriminalizou porte
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, após nove anos, no último dia 25 de junho de 2024, que portar maconha para uso pessoal não pode ser considerado crime. Os oito dos 11 ministros votaram a favor de tratar o porte da droga apenas como ato ilícito, sem natureza penal.
No dia seguinte, a Corte também decidiu pela descriminalização do porte da maconha em até 40 gramas ou seis plantas fêmeas, que passou a não ser considerado crime e deve ser caracterizado apenas como infração administrativa, que não tem consequências penais.
A pesquisa
O levantamento entrevistou 3 mil pessoas, de 16 anos ou mais, entre os dias 5 e 10 de dezembro deste ano, nas regiões do Agreste, da Mata, do Sertão, Grande Maceió, Norte, Sul, Maceió e Arapiraca.
O intervalo de confiança é de 95%, e a margem de erro é de 3,0 pontos percentuais para mais ou para menos sobre os resultados totais da amostra.