Olhou de cima a baixo a bela camisa azul, bem lavada, exalando o cheiro bom do amaciante de que mais gostava. Era a que ele preferia levar em suas cada vez mais frequentes viagens de trabalho. Dava-lhe um ar de elegância e jovialidade, que ela apreciava ao vê-lo sair pela porta de casa, mesmo sem deixar um beijo de despedida.
Dobrou-a com cuidado para que não amarrotasse no caminho. O destino era o mesmo: a valise de couro que ele comprara em uma das idas a São Paulo. Coisa fina!
Ainda que algumas lágrimas teimassem em desabar sobre a face marcada, de mulher em tempo de maturidade, seguia incontinenti a executar a missão a que se propusera na véspera.
Lavara as melhores roupas daquele com quem vivera o grande encontro da sua vida, deixando que secassem ao varal da área de serviço do apartamento, para depois passá-las com a habilidade que desenvolvera ao longo de vinte anos como dona de casa. Assumia como suas, intransferíveis, e até desafiando o cansaço do trabalho no escritório, as tarefas domésticas.
Engraxou o sapato preto, com jeito esportivo e algo sofisticado, também o de que ele mais gostava, e o juntou às peças que se amontoavam, arrumadas milimetricamente, sobre o lençol branco que vestia a cama do casal.
Calças, camisas, tudo foi ganhando a forma que haveria de permanecer imutável dentro da valise de couro. Agia como se as dobras do tempo sinalizassem cada gesto, reconstruindo uma longa jornada de convivência, ela apenas transferindo às mãos habilidosas o que lhe chegava de dentro.
Altos e baixos? Quem não os tem?
Não havia mágoa nem rancor no seu peito doído. Uma saudade, sim, saudade dos dias em que riram juntos, caminharam de mãos dadas, zombaram dos perigos do mundo, que nada poderia desmontar um enredo em tudo previsível.
O resto, trataria de guardar no baú dos esquecimentos, porque não haveria de valer a pena ficar remoendo as noites sem sono, as esperas vãs, as ausências em tempos de inverno da alma.
Concluída a delicada arrumação, fechou a valise, trocou de roupa e seguiu rumo ao seu objetivo. Não titubeou: simplesmente foi caminhando para onde deveria ir.
Reviveu no caminho, em capítulos desconectados, uma longa história de paixão avassaladora, que foi perdendo calor bem antes que encontrassem o seu corpo já frio em um quarto de motel.
Deixou a pequena bolsa ao lado do túmulo recente, a terra ainda frouxa, e seguiu de volta à porta do cemitério, de saída. Nem uma só palavra.
Tão logo cruzou o longo vão, parou, abriu a sua bolsa, tirou uma pequena caixa de onde um espelho refletiu a forte luz da manhã avançada nas horas, passou com suavidade o batom vermelho sobre os lábios e olhou para o alto.
O intenso azul não mentia: era um belo dia de sol.
Ricardo Mota