Um desses pensamentos que ganham vida própria e saem por aí, de bar em bar, atravessando décadas e gerações, diz que a turma da esquerda adora uma pancadaria interna. União entre os companheiros? Somente na cadeia. A piada era comum entre militantes e intelectuais progressistas durante a ditadura militar instalada em 1964. A grande desavença era sobre aderir ou não à luta armada para combater o regime.

Lembrei do velho clichê após constatar a guerra fratricida em andamento no universo da comunicação “alternativa”. Basicamente, o drama é sobre como criticar ações pontuais do governo Lula sem reforçar o discurso do inimigo. O caso mais vistoso nesse confronto envolve Jones Manoel & Aliados versus o Diário do Centro do Mundo & Parceiros.

Jones Manoel é aquele pernambucano que deslumbrou Caetano Veloso com ideias um tanto stalinistas. Para ele, Guilherme Boulos é praticamente um reacionário a serviço da “ideologia burguesa”. Fernando Haddad? Um agente disfarçado cumprindo ordens do mercado e do imperialismo americano. Jones prega a “revolução proletária”!

No lado oposto do ringue – ou do mesmo lado, tanto faz – está o DCM, dirigido pelo jornalista Kiko Nogueira. Assim como o Brasil 247, o site está em ação há mais de uma década. Com a mesma pegada, surgiram o GGN (de Luís Nassif) e o Conversa Afiada, que era do jornalista Paulo Henrique Amorim. Todos contra a “mídia hegemônica”.

Repare que esses meios de militância jornalística, digamos assim, começaram a atuar ainda sob o governo Dilma. Foi por aquela época que o jornalista Reinaldo Azevedo tascou a expressão “blogs sujos” para se referir à turma. Para o então colunista da Veja, todo mundo nesse balaio trabalhava “a soldo” para defender o petismo e os petralhas.

Reinaldo Azevedo virou outra pessoa – mas não é o foco neste texto. De todo modo, a ironia é que Jones e outros comunistas revolucionários recorrem à velha acusação do ex-inimigo da esquerda para atacar os inimigos do mesmo campo ideológico. Ficou claro isso? Kiko Nogueira, DCM e outros seriam financiados para bajular o governo Lula.

Jones reclama que seus adversários promovem racismo e xenofobia ao fazerem chacota de seu sotaque pernambucano. E rebate afirmando que esses portais não formam uma mídia alternativa, mas sim uma “imprensa governista”. Os dois subcampos da mesma esquerda vão subindo o tom, com agressões cada vez mais de baixíssimo nível.

Se isso enfraquece ou não “o combate ao fascismo”, não faço ideia. Num sentido mais amplo, o caso apenas ilustra que ninguém é igual a ninguém, e tudo degenera quando o pensamento adere a um bloco monolítico. Não importam as cores da fantasia libertária, nenhuma patota tolera a divergência. A guerra na esquerda passa por aí.