Antes de ser preso, o general golpista Walter Braga Netto desfrutava os luxos de uma temporada em São Miguel dos Milagres. A hospedagem ficou por conta do milionário Gilson Machado, ex-ministro do Turismo de Bolsonaro. Ele é dono de uma pousada construída para ricaços que buscam ambientes longe da ralé. Naturalmente o milico foi bancado pelo ex-colega de governo. Esses patriotas primam pela retidão ética.
Milagres, como a região é conhecida pelos bacanas endinheirados, se tornou um ambiente tóxico. O município, assim como boa parte do nosso litoral norte, vem sendo vítima de ocupação predatória por uma turma pouco saudável. De Carlinhos Maia a Eduardo Bolsonaro, de Gustavo Lima a Caio Copolla, de Pedro Bial a Luciano Huck – a frequência naquelas praias ameaça o equilíbrio sustentável da Natureza.
Tudo bem, é o preço do progresso econômico, diriam os resignados diante da invasão bárbara. Antigamente, todas as apostas nesse sentido estavam do outro lado, no litoral sul. Pouco a pouco – ou seria muito a muito? –, os caçadores de sombra, água fresca e alta gastronomia trocaram de faixa de areia. Barra de São Miguel, praia do Francês e praia do Gunga foram desbancadas pela nova onda do turismo de ostentação.
Não é por acaso que Neymar Junior e seus parceiros escolheram o litoral norte para o megaprojeto imobiliário anunciado este ano. Ao mesmo tempo, Flávio Bolsonaro apresentou no Senado a PEC de privatização das nossas praias. Uma coisa combina com a outra. Se tudo der certo para eles, em breve parte do território alagoano será um condomínio reservado aos que vieram ao mundo para comprar tudo, até os mares.
Nesse embalo, estaremos no mesmo status de regiões da Bahia, Rio de Janeiro e Santa Catarina – um balneário para uma classe diferenciada. A população local será tangida para bem distante. É mais ou menos a filosofia adotada pela prefeitura de Maceió com as praias da “área nobre” da capital. Daqui a pouco, a Ponta Verde será cercada.
Nessa quadra perturbadora, a força da grana opera a harmonização de modos rudimentares e ideias autoritárias. Afinal, como disse, esse estamento compra o que quer. Mas o reboco na superfície não resolve a essência afeita a vulgaridades. Estamos falando de gente que resume a epifania existencial num corte de carne com fios de ouro!
Houve um tempo em que a praia era o “lazer mais democrático” que existia. Não mais. A depender da região, algum desavisado pode se dar mal se cruzar o caminho dos novos (e velhos) senhores do dinheiro. Milagres parece o ensaio de uma distopia tropical.