Na história da imprensa, a partir de algum momento ficou estabelecido que um editorial na primeira página de um jornal significa que o caso é sério. Muita gente não sabe, mas ainda existem jornais feitos de papel – os dinossauros chamam de “jornalismo impresso”. É aquele estranho objeto que você encontra em lojinhas apertadas, antigamente conhecidas como bancas de revista. A geração Z não entende tal exotismo. 

Reza a lenda que o sucesso avassalador da Veja operou mudanças de hábito – e até de linguagem entre os brasileiros. Passamos a chamar “banca de revista” o que antes era chamado de “banca de jornal”. Sempre que a ocasião permitia, Roberto Civita se gabava dessa narrativa. Não sei se a lenda corresponde à verdade. Mas a história é boa. A família Civita quebrou a editora Abril – e a Veja, com novo dono, pena para sobreviver.

Até onde sei, nenhuma revista publica editorial na capa, porque essa é uma tradição dos jornais. Foi o que fez a Folha de S. Paulo em sua edição física, com a data deste domingo, na reta final de dezembro. Ao trazer à primeira página sua opinião sobre um assunto – é isso o que define um editorial – o veículo dá maior peso ao que está escrito.  

“A conta do almoço grátis chega cedo ou tarde”. Com esse título, o texto da Folha tritura Lula e a política econômica do governo. Se você está pessimista com o país, depois da leitura vai concluir que estamos com o pé na cova. O jornal ataca a “gastança irresponsável” do Executivo. Falta pouco para defender o impeachment.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, classificou o editorial de “delirante” – afinal, argumenta, de onde o jornal tirou a ideia de que estamos à beira de uma hiperinflação? Os números atuais mostram o oposto. O país vive um quadro de quase pleno emprego, que é como economistas definem o cenário de baixo índice de desempregados. 

A edição da Folha, como era previsível, deflagrou uma reação em cascata na esquerda em geral. Nessas horas, muitos recorrem à expressão “Partido da Imprensa Golpista” (PIG), uma criação do falecido Paulo Henrique Amorim. O editorial, na verdade, reproduz o discurso do insuspeito mercado. Tem de estancar a “farra dos gastos”. E logo.

Bolsonaristas concordam com cada vírgula do texto. É o mesmo jornal cuja morte foi decretada por Bolsonaro – para felicidade de sua seita que agora aplaude a Folha. Que estranho! Esquerda e direita vivem berrando que a velha imprensa não vale mais nada, não influencia ninguém, já era. Etc. Então por que o escarcéu? Pauta para o boteco.