O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, na última terça-feira (17), quase oito meses após o envio pela equipe econômica, o projeto de regulamentação da reforma tributária. A pauta teve 324 votos a favor, 123 contrários e três abstenções.
O Projeto de Lei Complementar (PLP), do Poder Executivo, contém detalhes sobre cada regime com redução ou isenção de incidência, a devolução de tributos para consumidores de baixa renda (cashback para famílias de baixa renda a partir de 2027, beneficiando inscritos no CadÚnico, com devolução parcial ou total ao adquirir serviços essenciais), à compra internacional pela internet e a vinculação dos mecanismos de pagamento com sistema de arrecadação.
O texto aprovado pela Câmara simplifica e torna mais transparente a arrecadação de impostos no Brasil, criando tributos como o IBS, CBS e IS para substituir cinco tributos existentes, estabelece isenção total para alimentos essenciais da cesta básica e cria alíquotas diferenciadas no imposto seletivo para bens prejudiciais à saúde e meio ambiente.
O projeto também define alíquotas diferentes para estimular ou desestimular a comercialização de alguns produtos.
Para esclarecer sobre o texto, que segue para a sanção presidencial, o CadaMinuto conversou com advogada tributarista Ana Kümmer.
Confira a entrevista:
Como você avalia a regulamentação da Reforma Tributária aprovada na Câmara?
A regulamentação da reforma tributária aprovada na Câmara, por meio do PLP 68/2024, era muito esperada por toda sociedade, uma vez que a Emenda Constitucional n.º132, que trouxe a reforma tributária, outorgou para Lei Complementar um campo enorme de regulamentação, portanto, havia uma grande expectativa de como iria ocorrer essa regulamentação. O texto já foi aprovado e no momento está aguardando a sanção do Presidente Lula e, uma vez que for publicado no Diário Oficial, é que teremos a possibilidade de se debruçar, com maior profundidade, para analisar os pontos positivos e negativos da regulamentação.
A Reforma Tributária representa um esforço significativo para eliminar a guerra fiscal, promovendo um sistema tributário mais uniforme, transparente e justo. Se a inovação for concretizada, será possível reduzir distorções econômicas e promover um desenvolvimento mais equilibrado entre as regiões do país.
De que forma as mudanças que foram rejeitadas (saneamento, medicamentos, bebidas açucaradas, cesta básica) podem afetar o consumidor e a economia?
As mudanças rejeitadas na regulamentação, especialmente no que diz respeito a setores como saneamento, medicamentos e cesta básica, têm impactos diretos sobre o consumidor e a economia. Sobre saneamento básico, a tentativa de aplicar uma alíquota reduzida foi rejeitada, isso pode manter ou aumentar os custos dos serviços de água e esgoto, repassando esses custos ao consumidor, por exemplo. Ademais, precisamos ressaltar que a falta de um regime diferenciado para saneamento poderá desestimular investimento no setor, mas claro, o impacto recairá principalmente sobre a população de baixa renda.
Nesse passo, sabe-se que o processo de transição é longo e envolve um novo cenário legislativo, adaptação, saneamento de dúvidas com as problemáticas que surgirão, nos setores operacionais e aumento de custos administrativos. Cogito a ideia de que alguns setores específicos, como serviços, sentirão mais, devido ao aumento da carga tributária em comparação com o modelo atual. Apesar do PLP 68/2024 prometer neutralidade entre os setores, ela não será alcançada, principalmente para aqueles que possuem menor aproveitamento de créditos.
Seguindo essa linha de raciocínio, é possível concluir que manter uma carga tributária elevada em setores essenciais poderá agravar a desigualdade social e reduzir o impacto positivo da reforma na economia. Mas o período de transição, no processo de implementação dos novos tributos, ocorrerá de forma gradual até 2033, principalmente pelo fato de trazer desafios na implementação e em termos de justiça fiscal, ainda, há riscos de impactos negativos para setores específicos e consumidores de baixa renda, pontos que foram amplamente criticados.
O que muda com a regulamentação?
Importante destacar que a regulamentação não pode sobrepor o que já está previsto na Constituição Federal. Mas sim, a regulamentação traz algo novo, originário da Emenda Constitucional, que funcionou como farol, apresentando um caminho a ser trilhado. Um ponto que merece destaque é a confusão na instituição dos novos tributos. Na verdade, houve a substituição dos cinco tributos por dois, o CBS (Contribuição sobre Bens e Serviço), que é de competência federal, e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de competência, em regra dos Estados e Municípios.
Como funcionará o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), o CBS e o IBS?
O IVA Dual é uma denominação que se deu para a junção desses dois tributos (IBS e CBS). Não são três tributos, mas sim apenas dois, que se comparado à Europa, tem dois tributos, um federal e outro, embora instituído por Lei Complementar da União, em regra, possui competência do Estados e Municípios, que ficará com a arrecadação.
Outro ponto sensível do assunto é a chamada guerra fiscal e gestão do IBS, o qual será gerido por um Comitê Gestor Nacional, que já é considerado o mais burocrático até o momento. Questiono, a reforma não é para simplificar? Embora a reforma busque eliminar a guerra fiscal e promover a justiça tributária, a implementação dependerá de um equilíbrio delicado entre centralização e respeito à autonomia dos entes federativos.
Quais os alimentos que terão imposto zero? Além de alimentos, outros produtos terão imposto zero?
No setor de medicamentos, a redução da alíquota não foi aceita, acarretando na manutenção de preços altos, afetando diretamente a acessibilidade a tratamento e remédios essenciais, prejudicando e muito a população de um modo geral. Por outro lado, há alimentos incluídos na cesta básica e outros que terão alíquota zero, como: arroz, feijão, carnes, café, leite, manteiga e margarina, peixes, grãos de milho, açúcar e sal, por exemplo.
Como e em que casos será concedido o cashback?
A proposta da devolução de parte dos impostos (cashback) será concedida para as famílias de baixa renda, mas a eficácia dessa medida ainda é incerta, como os benefícios prometidos com essa reforma. O cashback busca mitigar os efeitos regressivos da tributação sobre o consumo. Mas, a efetividade desse mecanismo ainda é incerta, devido a necessidade de operacionalização de maneira eficiente. A ideia é a implementação de um sistema de devolução parcial dos pagamentos aos consumidores.
Quais as profissões que pagarão menos impostos?
Em relação às profissões que pagarão menos impostos, serão aquelas fiscalizadas por conselhos profissionais, onde terão redução de 30% nas alíquotas do IBS e da CBS, como: advogados, arquitetos, contadores, profissionais de educação física, médico veterinário, etc. Essa medida visa reduzir a carga tributária sobre os serviços prestados a esses profissionais, incentivando o desenvolvimento de suas atividades.
Além das profissões mencionadas, o PLP 68/2024 prevê uma redução de 60% nas alíquotas do IBS e da CBS para serviços relacionados às áreas de educação e saúde, abrangendo ensino infantil ao ensino médio e ensino técnico também. Na saúde, serviços cirúrgicos, serviços ginecológicos e obstétricos, serviços psiquiátricos, serviços prestados em unidades de terapia intensiva (UTIs).