A polêmica Proposta de Emenda à Constituição popularmente conhecida como PEC das Praias, que pretende transferir alguns terrenos da União para proprietários privados e governos locais, voltou ao Congresso, na última quarta-feira (4), na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
Já aprovada pela Câmara dos Deputados após 11 anos de tramitação, a proposta busca resolver conflitos envolvendo a União e os ocupantes dos terrenos da Marinha, assim chamados porque, desde o período colonial, reservam faixas próximas ao litoral e às margens de rios para a proteção territorial. Normalmente, esses terrenos ficam perto das praias e podem ser ocupados por prédios, hotéis, bares, vilas de pescadores, etc.
Segundo o Governo Federal, essas áreas atualmente pertencem à União e correspondem aos 33 metros seguintes ao último ponto alcançado pela maré alta em cada região costeira.
Na discussão na CCJ do Senado, um pedido de vista feito pela base governista adiou a votação na comissão. A proposta não tem previsão de votação. Caso seja votada e aprovada na comissão, o projeto poderá seguir para votação no plenário do Senado, onde teria que ter o apoio de pelo menos 3/5 dos senadores, ou seja 49 deles. Se a Casa fizer alguma modificação substancial no texto, ele volta para votação na Câmara.
Para esclarecer melhor sobre a proposta, o que de fato ela trata e entender seu prós e contra, o CadaMinuto conversou com a advogada ambiental, Elisa Mores.
Confira a entrevista:
O que é a PEC das Praias, o que de fato ela trata e qual objetivo da proposta?
A PEC, que é uma proposta de emenda à Constituição, estabelece mecanismos para a venda de áreas à beira-mar que pertencem à União, que são terrenos da Marinha. Que correspondem aos 33 metros seguintes ao último ponto alcançado pela maré alta em cada região costeira do Brasil.
A PEC permite a privatização das praias?
A proposta não fala claramente em privatização de praias. Porém, com permissão de transferência dos terrenos de marinha gratuitamente a Estados e Municípios, ou mediante pagamento (compra) para entidades privadas, que é o que a proposta fala, abre-se uma brecha para que os acessos às praias não sejam mais públicos, possibilitando que entidades privadas, que já têm propriedades à beira mar, se utilizem dessa brecha para tornar os espaços de areia particulares
Como ficaria a situação dos terrenos da Marinha com a aprovação da PEC?
Caso a proposta seja aprovada, a União irá transferir todas as terras de marinha para Estados, Municípios e entidades privadas. Só estariam de fora dessa transferência as áreas utilizadas para o serviço público federal, como as que têm portos, unidades ambientais e as que não estiverem ocupadas.
Caso aprovada, quem seriam os maiores beneficiados com a PEC?
Seriam favorecidos pela eventual mudança na legislação: empresas do setor imobiliário, da agricultura e empresários que possuem imóveis nos chamados terrenos de marinha, que pertencem à União. Além de políticos que detém imóveis nessas áreas.
Quais os prós e os contras da proposta?
Para municípios, estes enxergam como ponto positivo o incentivo à economia em suas regiões. Já em termos ambientais é bem preocupante. Porque quando se permite a transferência de terrenos, a PEC poderia favorecer um cenário em que estados e municípios estariam sujeitos à intensa pressão para acolher empreendimentos que promovam "desenvolvimento econômico", sem a necessária sustentabilidade ambiental, podendo causar impactos ambientais irreversíveis.
Nós temos em diversas partes do litoral brasileiro, as áreas de preservação ambiental permanente, temos áreas de desovas de tartarugas, áreas de descanso de lobos marinhos e outras espécies. Manguezais e dunas, áreas que já estão degradadas em vários pontos, em razão do avanço imobiliário em algumas regiões. A preocupação é que nas mãos dos estados e municípios se perca o controle e cause ainda mais degradação ambiental.
Existe também a possibilidade de comprometimento das comunidades tradicionais que vivem nessas regiões do litoral brasileiro há séculos. Com a chegada de grandes empreendimentos é comum que ribeirinhos, quilombolas, pescadores que vivem desses ecossistemas sejam suprimidos e percam suas raízes e identidades em detrimento do avanço e do desenvolvimento econômico.
O que diz o IMA/AL
Esta semana, o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) manifestou preocupação com os riscos ambientais e sociais que podem advir da PEC das Praias. O órgão é responsável pela execução das políticas ambientais do Estado e atua para proteger os ecossistemas e garantir o cumprimento da legislação.
Também em entrevista ao CadaMinuto, o coordenador de Gerenciamento Costeiro do IMA, Ricardo César, explicou como a PEC das praias pode afetar o meio ambiente e as praias alagoanas. Além disso, César também citou que a proposta, se aprovada, pode dificultar as fiscalizações contra crimes ambientais. Ele defende que deve haver um diálogo amplo e responsável que leve em conta a preservação dos ecossistemas e os direitos das comunidades tradicionais.
Leia:
Como a PEC das Praias pode afetar o meio ambiente?
A PEC das Praias pode afetar gravemente o meio ambiente, especialmente os ecossistemas costeiros vulneráveis como dunas e manguezais. Esses ecossistemas desempenham funções essenciais para o equilíbrio ecológico, como proteger a costa contra a erosão e o avanço do nível do mar. A proposta pode resultar em ocupações nessas áreas, o que agravaria esses processos e comprometeria a sustentabilidade ambiental da região.
De que forma as praias alagoanas podem ser afetadas pela PEC? Há algum impacto positivo?
As praias alagoanas podem ser afetadas pela PEC de várias maneiras, especialmente pela possibilidade de privatização de áreas que hoje são públicas, o que restringiria o acesso da população e dificultaria a gestão pública para preservação ambiental. A PEC pode prejudicar o uso coletivo e a sustentabilidade das praias. Embora a proposta traga discussões sobre o uso econômico das áreas, não há muitos aspectos positivos em termos de preservação ambiental, especialmente considerando os impactos nas comunidades tradicionais e na biodiversidade local.
Quais os setores e qual a população que seria mais prejudicada com a aprovação da PEC, por quê?
Os setores mais prejudicados seriam aqueles ligados às atividades tradicionais das populações costeiras, como pescadores, ribeirinhos, quilombolas e indígenas. Essas comunidades dependem diretamente dos ecossistemas costeiros para sua subsistência, e a PEC pode restringir o acesso a essas áreas e impactar suas práticas culturais e econômicas. Além disso, a proposta pode afetar o turismo local e os setores que dependem da acessibilidade pública às praias para recreação e lazer.
A proposta pode dificultar a fiscalização contra crimes ambientais? De que forma?
Sim, a proposta pode dificultar a fiscalização contra crimes ambientais. A privatização das áreas costeiras e a gestão compartilhada podem reduzir a capacidade do poder público de monitorar e controlar atividades ilegais, como o desmatamento de dunas e manguezais, poluição das praias e a degradação de áreas de preservação. A fiscalização pode ser comprometida, já que interesses privados poderiam prevalecer sobre as políticas públicas de proteção ambiental.
Diante dos impactos negativos, o que os órgãos ambientais acreditam que deveria ser feito?
Os órgãos ambientais, como o IMA, acreditam que é fundamental estabelecer um diálogo amplo e responsável sobre a PEC, que leve em conta a preservação dos ecossistemas e os direitos das comunidades tradicionais. A proposta de regulamentação deve ser construída de forma equilibrada, priorizando a sustentabilidade ambiental e o respeito às populações locais. Além disso, é necessário que as políticas públicas de gestão costeira e proteção ambiental sejam mantidas, garantindo o uso coletivo e democrático das praias, e evitando a privatização de áreas essenciais para a preservação e a cultura local.
Dados de Alagoas
Segundo dados do Patrimônio da União, divulgados em junho deste ano, apenas no litoral Norte de Alagoas, existem 4.455 terrenos cedidos a terceiros.
Confira a quantidade e onde estão localizados os terrenos:
- Japaratinga (AL) - 1635;
- Maragogi (AL) - 1518;
- Passo de Camaragibe (AL) - 347;
- Porto de Pedras (AL) - 700;
- São Luís do Quitunde (AL) - 2;
- São Miguel dos Milagres (AL) - 253.
Ainda segundo o levantamento, em todo o Estado, esse número chega a 19.445 nas 14 cidades litorâneas. Como classifica a legislação, esses tipos de terrenos são áreas situadas a 33 metros do ponto mais alto que a maré atinge.