Uma herança de ventre. Em 1º de fevereiro de 1976, enquanto eu ainda estava na barriga da minha mãe, o Maracanã foi palco de um clássico inesquecível entre Botafogo e Flamengo, pelo Campeonato Brasileiro. O jogo ficou marcado como o “Clássico da Pipoca”, em referência à provocação dos torcedores rubro-negros, que, confiantes em uma vitória fácil, levaram pipocas para o estádio. No entanto, com garra e organização tática, o Botafogo segurou o rival e, aos 26 minutos do segundo tempo, Moisés, o zagueiro-artilheiro, marcou o gol da vitória alvinegra. Anos depois, ouviríamos essa história diretamente de sua boca, sempre com os olhos inundados.
Crescemos na capital das águas, torcendo pelo azul do Mutange e pelo glorioso do Rio de Janeiro, como era comum entre os meninos da minha geração — ter um time na série A para chamar de seu, embora essa cultura já fosse imposta muito antes da minha existência. Meu pai, por exemplo, que nasceu em 1945, no final da Segunda Guerra Mundial, já cumpria o roteiro da contingência. E quem seria o responsável por sua paixão? Provavelmente os talentos de Garrincha, Nilton Santos, Didi, Amarildo e tantos outros.
No Dendê, tiramos, eu, meus dois irmãos e ele, duas fotos históricas uniformizados com o manto da estrela solitária. Eu tinha apenas três anos quando minha mãe - a produtora e retratista - me vestiu para ela. Chegamos aos anos 90 assistindo aos jogos do Botafogo no Amendoeira’s, um bar modesto e rústico na Rua Gonçalves Dias, no tradicional bairro do Farol. Quase todos os sábados estávamos lá. Uma imponente amendoeira nos protegia do calor que não faltava na cidade, e também nos jogos. Em 1995, não à toa, fomos campeões brasileiros, com a liderança de Túlio Maravilha, enquanto o CSA, nossa outra paixão, insistia em permanecer num ostracismo imposto por más gestões.
Eis que, 29 anos depois, passo pela igreja onde ele costumava ir, às nove da manhã, indo em direção a outra igreja. O Botafogo está na final da Libertadores, e eu desejei que ele estivesse aqui para assistir. Depois do batizado da Catarina, provavelmente o pegaria em casa e veríamos juntos à final. O imaginei ao meu lado durante todo o jogo: na expulsão do Gregory aos 29 segundos do primeiro tempo, no primeiro gol do novo camisa 7, no pênalti bem batido, no lance improvável do terceiro gol nos segundos finais. Pensei nele em cada instante do jogo. Quando o apito final soou, senti uma vontade imensa de lhe dar um abraço. Seu time é o novo campeão da América. Meu pai: não bastasse ser quem foi, ainda nos legou a paixão pelo Botafogo.