No transcorrer da minha já longeva trajetória, desenvolvi alguns princípios que passaram a fazer parte da minha essência - sem que eu notasse, enquanto eles estavam se consolidando. Entre estes: não sento numa mesa de bar ou em um encontro social para falar de ou sobre trabalho. Claro que há as exceções, nos casos excepcionais, até porque são excepcionais, mas fora disso, quem está fora sou eu.

Quando entro no mundo dos homens/mulheres eu gosto mesmo é de uma conversa vadia, com espaço escancarado para o humor, que vague sobre temas sem conexão alguma entre eles, erráticos, e que nos permitam navegar sem bússola, marinheiros sem medo de adernar. O que nem sempre é possível, mas como já ando correndo celeremente rumo aos “70”, insisto em encontros com vadios e vadias – de alma, está claro.

E eles e elas existem, eis minha convicção, aos borbotões, nos deixando apenas o trabalho de encontrá-los (as). O bom mesmo, a esta altura, é saber onde eles estão. Triste daquele que se nega, assim penso, a ser “alguém do seu tempo”, como se este senhor pudesse abrir mão da nossa companhia. 

E, cá para nós, poucas coisas me incomodam tanto nos dias que correm do que papo de militante intensivo, principalmente pela fragmentação de bandeiras que não admitem conversar entre si. Chavões, frases de efeito, polêmica fake,  expectativa de reação, a necessidade permanente do conflito ou, pelo contrário, da concordância absoluta, tudo isso me cansa e me carrega ao tédio. 

Na semana que passou, a vida me deu mais um presente, por mais que o que vem a seguir seja tão pouco para tantos. Eu assisti – disponível em streaming - ao filme Testamento, do lúcido provocador diretor canadense Denys Arcand. Que talento, este sujeito, e que pena que ele já chegou aos 83 anos! Fato concreto: com a mesma lucidez que ele nos apresentou em Invasões bárbaras e A era da Inocência (é dele também O declínio do império americano, inteligente e divertido, como tudo o que ele faz na sétima arte).

No novo filme, ele debocha do politicamente correto sem sustentação real, baseado no “vamos nessa, que é bom à beça”! Arcand é um mestre na leitura do mundo, e assim mostra toda a sua obra. É como se ele parasse os movimentos da Terra, olhasse de cima e com um telescópio de grande precisão e alcance fosse invadindo os ambientes que são comuns às nações espalhadas pelo planeta. 

O que ele encontra?

A caricatura que nós teimamos em construir de nós mesmos, risíveis, se assim nos permitirmos, dolorosa aos que a negam. Já faz um bom tempo que eu não vejo – ou não via – um filme para dizer: - Voltarei a ele sempre que o cotidiano estiver um saco! É o mesmo sentimento que tenho em relação à obra inteira de Chaplin, ou Amarcord, de Fellini e de tantas outros enredos que o cinema produziu e tratou de tornar clássicos, imortais. 

Voltando ao tema lá de cima, gente, aquele papo de militante de causas passageiras ou da moda, com certezas demais e convicção de menos (é ver o filme de Arcand), matéria-prima para preencher corações e mentes vazios, já não encontra em mim muita paciência: 

“Coisa de velho”, direis.

E eu vos direi, no entanto:

- Samba de uma nota só, exclusivamente o de Tom Jobim (e Newton Mendonça).

Se o mundo é diverso e se a vida é tanta, nos rendemos à pobreza absoluta quando só enxergamos e nos interessamos por algo único, exclusivo, de luz tão intensa que cega todo o resto.

O vulgo já definiu bem a tal da “ideia fixa” (pois que seja temporária).