“Durmo menos de cinco horas por dia e me vejo obrigada a escolher entre comer e dormir. Se como, perco horas preciosas de descanso. Se não durmo, trabalho exausta; se não como, corro o risco de passar mal no trabalho.” Esse é o dilema enfrentado por Roberta* (nome fictício), trabalhadora do interior de Alagoas que optou por manter sua identidade em sigilo, temendo possíveis represálias. 

Submetida a uma exaustiva jornada de trabalho no regime 6x1, trabalha seis dias seguidos para ter direito a apenas um dia de descanso. Ela começa o expediente às 22h e termina às 5h10. Além disso, enfrenta uma jornada ainda mais longa: para chegar ao trabalho, precisa sair de casa uma hora e meia antes, e só retorna ao lar duas horas depois.

Roberta afirma que a escala 6x1 cobra um preço alto, afetando sua saúde mental e seus relacionamentos. A trabalhadora compartilha que sofre com crises constantes de ansiedade e sente que está ausente para os amigos e familiares. “É triste nunca poder estar 100% para as pessoas que amo. Trabalho tanto para não faltar nada, mas, no final, quem falta sou eu.”

Segundo ela, o único dia de folga não é suficiente para descansar e resolver as pendências da semana. “Durante os dias de trabalho, sobra algum tempo, mas a gente sabe que não dá para fazer muito estando sempre sobrecarregado.”  

O impacto da PEC 

O texto que poderá transformar em uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), contra o fim da jornada 6x1, já alcançou apoio necessário para começar a tramitar no Congresso Nacional. 

A PEC obteve 231 assinaturas na última sexta-feira (15), conforme informou a equipe da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), autora da proposta. Com esse apoio, a iniciativa já cumpre a exigência mínima de 171 assinaturas entre os 513 deputados.

Para Roberta, essa mudança traria dignidade ao dia a dia de quem vive em jornadas exaustivas. “Não há dignidade na forma como vivemos hoje. É uma grande sensação de derrota: trabalhar tanto, estar ausente de tudo e, no fim, receber algo que não condiz com o que você entrega. Mas continuamos porque é nossa única forma de colocar o pão na mesa.”  

 

Advogado Ednaldo Maiorano - Foto: Reprodução

 

Empresas terão que adaptar escalas de trabalho

Em entrevista ao CadaMinuto, o advogado Ednaldo Maiorano, explicou que caso a PEC seja aprovada, as empresas terão que adaptar suas escalas de trabalho.

“Caso a proposta seja aprovada, as empresas deverão se adaptar e adotar uma escala diferente. Por exemplo, propor aos empregados a jornada de 7h20 apenas de segunda a sexta-feira, ou dias com 6 horas de trabalho. Ou ainda permitir uma escala com apenas 4 dias de trabalho semanais, o que não é possível na escala 6×1”, explica.  

Para o especialista, a medida visa proporcionar mais flexibilidade e reduzir a exaustão dos trabalhadores, como no caso de Roberta, para quem uma única folga por semana já comprometeu sua saúde mental e seus relacionamentos familiares.

O advogado destaca que a proposta é compatível com a Constituição Federal e tem um objetivo social claro: “A essência da proposta legislativa é justamente tentar garantir uma jornada mais flexível e menos extenuante, numa dita harmonia com a tendência global de redução de horas de trabalho.”  

Além disso, o controle de jornada previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não será alterado pela PEC. Maiorano aponta que as empresas devem escolher o modelo de controle que melhor se adapte à sua realidade: “Orientamos que os empregadores realizem a escolha do melhor formato, dependendo das necessidades da empresa e da flexibilidade do empregador.”  

Sobre a realidade alagoana, o advogado aponta que a escala 6x1 é utilizada em setores como indústrias, farmácias, hotéis e restaurantes, mas sem dados exatos disponíveis. Ele explica que a flexibilidade da escala permite que empresas adaptem as folgas às suas necessidades. 

“Salões de beleza e alguns bares e restaurantes, na baixa estação, optam frequentemente por estabelecer a segunda-feira como dia de folga, devido à menor demanda comercial nesse dia.”  

O advogado também observou que, em empresas organizadas, o número de disputas judiciais relacionadas a horas extras e feriados caiu nos últimos anos.  

“Medida representa luta histórica da entidade”, diz presidente da CUT

A PEC que visa acabar com a escala de trabalho 6x1 tem recebido apoio intenso da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Segundo o bancário Luciano Santos, presidente da CUT em Alagoas, a medida representa uma luta histórica da entidade, que há mais de quatro décadas defende a redução da jornada de trabalho sem redução de salários. “Este é um momento crucial para avançar nessa pauta.”

A iniciativa é vista pela CUT como uma oportunidade de beneficiar amplamente a classe trabalhadora, além de estar alinhada com debates internacionais sobre redução da carga horária. Luciano destaca que a aprovação da proposta exige mobilização. 

“Sem pressão nas ruas, a Câmara não pautará nem aprovará essa PEC. Infelizmente, a Casa do Povo está cheia de representantes do setor patronal”, declara.

Para impulsionar a proposta, a CUT planeja uma série de ações. Entre elas, está a participação no G20 Social, evento que reúne movimentos sociais e ocorre no Rio de Janeiro como parte dos eventos que antecedem a cúpula do G20, nos dias 18 e 19. Segundo Luciano, a expectativa é que o encontro reúna 20 mil pessoas e que a pauta sobre o fim da escala 6x1 seja incluída no documento final do evento.

Além disso, uma plenária ampliada será realizada na próxima semana, em parceria com movimentos sociais, para definir um calendário de lutas. A estratégia inclui mobilizações tanto nas ruas quanto nas redes sociais, além de ações específicas voltadas a parlamentares de Alagoas. 

“Muitos se dizem representantes da classe trabalhadora. Agora têm uma demanda objetiva e urgente que precisa de resposta”, acrescenta Luciano.

Protestos pelo país e em Maceió 

Na última sexta-feira (15), manifestantes tomaram as ruas em várias cidades brasileiras para pedir o fim da escala 6x1. Os protestos ocorreram em locais como São Paulo, Brasília, Manaus, Fortaleza, Rio de Janeiro e Recife e Maceió.

O Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), responsável por organizar os atos, tem utilizado as redes sociais para amplificar a campanha em defesa da PEC. 

 

Protesto pede fim da escala 6x1 em Maceió - Foto: Cortesia 

 

Em Maceió, o ato ganhou as ruas do Centro da capital alagoana pela manhã. Em frente a Igreja do Livramento, manifestantes de várias entidades e movimentos sociais empunham cartazes pedindo a redução de jornada de trabalho e aumento geral dos salários. 

Maioria dos deputados de AL assinaram PEC 

Até a última quinta-feira (14), sete deputados federais de Alagoas manifestaram apoio à PEC que propõe a redução da jornada de trabalho semanal de 44 para 36 horas, eliminando a escala 6x1. 

Os mais recentes a assinarem a proposta foram Alfredo Gaspar (União) e Fábio Costa (PP), com Gaspar formalizando o apoio na quarta-feira (13) e Costa na quinta-feira (14).

Apenas não declararam apoio a medida Arthur Lira (PP) e Isnaldo Bulhões (MDB). Já haviam assinado anteriormente: Paulão (PT), Rafael Brito (MDB), Marx Beltrão (PP), Daniel Barbosa (PP) e Luciano Amaral (PV).

“Com responsabilidade e coerência, assinei a PEC da Jornada de Trabalho para dar início a uma discussão essencial na Câmara dos Deputados. A jornada de 6x1 é uma realidade penosa para muitos trabalhadores, mas precisamos de uma solução que também considere o impacto para empreendedores que impulsionam nosso país”, declarou Gaspar em perfil nas redes sociais. 

Abrasel e Fiea questionam redução de jornada de trabalho

A proposta tem enfrentado críticas de diferentes setores empresariais, que apontam possíveis impactos econômicos e operacionais negativos. Para a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) em Alagoas, a PEC seria um retrocesso para o setor de alimentação fora do lar, composto majoritariamente por microempresas. 

Paulo Solmucci, presidente da Abrasel no Estado, classificou a proposta como “estapafúrdia”, argumentando que ela ignora a flexibilidade já garantida pela legislação atual e os impactos no custo operacional. 

“A legislação atual permite que os trabalhadores escolham regimes de jornada adequados ao seu perfil, sem a necessidade de uma alteração constitucional que impacte a operação dos estabelecimentos em todo o Brasil, além de prejudicar os consumidores”, diz o presidente.

Segundo ele, a mudança pode elevar em até 15% os preços para consumidores, já que o setor seria obrigado a reduzir horários de funcionamento ou ampliar equipes, aumentando a folha de pagamentos. Ele defende o foco no aumento da produtividade como alternativa mais viável.

A Federação das Indústrias do Estado de Alagoas (Fiea) também se posicionou contra a PEC, preferindo a negociação coletiva como forma de definir jornadas de trabalho. 

O presidente da Fiea, José Carlos Lyra de Andrade, destacou que a redução das 44 para 36 horas semanais poderia gerar custos adicionais significativos para a indústria, principalmente em setores que exigem funcionamento contínuo. 

Para a Federação, dados da RAIS/2021 mostram que 88% dos trabalhadores industriais de Alagoas possuem contratos de 44 horas semanais, o que, segundo a Fiea, reflete a necessidade de escalas rígidas para manter a produtividade.

Ambas as entidades apontam que a mudança pode prejudicar especialmente micro e pequenas empresas, que têm menor capacidade de adaptação a custos extras. 

No setor industrial, segundo a Fiea, 39% dos trabalhadores formais em Alagoas estão empregados em pequenas indústrias, que poderiam enfrentar desafios financeiros e risco de fechamento caso a proposta seja aprovada.

 

Manifestantes vão às ruas contra a escala 6x1 - Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

 

Entenda a medida

A proposta, apresentada pela deputada Erika Hilton, tem origem no Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), iniciativa criada pelo vereador eleito no Rio de Janeiro, Rick Azevedo (PSOL). A iniciativa também inclui uma petição online que já conta com quase 3 milhões de assinaturas, evidenciando o apoio popular à medida.

O texto original da proposta sugere uma reforma na jornada de trabalho no Brasil, com a redução para quatro dias por semana. A carga diária seria limitada a oito horas, totalizando 36 horas semanais, com a possibilidade de compensação de horários ou redução da jornada, desde que acordado em convenção ou acordo coletivo de trabalho.

*Estagiária sob supervisão da editoria 

**Nome fictício a pedido da entrevistada

Foto de capa: Letycia Bond/Agência Brasil