A recente condenação judicial de uma mineradora e de seu proprietário pela extração ilegal de areia nas Dunas do Cavalo Russo, em Marechal Deodoro (AL), marca um capítulo importante na luta pela proteção ambiental em Alagoas. 

A decisão, proferida pela 13ª Vara Federal, não só encerra definitivamente as operações da empresa na área, como também determina a recuperação dos danos ambientais causados.

A mineradora e o empresário foram responsabilizados por ultrapassarem os limites legais de suas licenças, gerando impactos significativos em uma região de preservação ambiental.

O caso chama atenção para os danos à biodiversidade e ao solo causados pela exploração inadequada, expondo desafios no monitoramento da atividade mineradora em áreas protegidas e a necessidade de medidas de recuperação ambiental. 

O CadaMinuto conversou com especialistas sobre o tema, que compartilharam perspectivas e maneiras de combater a prática.

O biólogo Marcos Bonfim explica os danos ambientais causados pela extração de areia. Segundo o especialista, os impactos no ecossistema podem levar à migração de insetos peçonhentos para áreas urbanas.

“A extração de areia local causou a remoção da vegetação nativa, composta por restinga arbustiva e arbórea, que protege e estabiliza o solo, evitando processos erosivos. Com o aprofundamento das valas de onde a areia foi retirada, houve exposição do lençol freático, formando pequenas lagoas e córregos que oferecem ambientes adequados para a reprodução de mosquitos, já que não há ictiofauna para controlar as larvas”, explica.

O biólogo destaca que a destruição da flora local provoca a migração dos seres vivos que ali habitavam, o que, nesse caso, pela exposição do lençol freático, pode resultar na proliferação de insetos capazes de transmitir doenças aos seres humanos.

“A perda do habitat da fauna local pode ocasionar acidentes com animais peçonhentos que migram para zonas urbanas, além de aumentar os inconvenientes causados por insetos, como mosquitos e percevejos hematófagos (barbeiros), que têm potencial para transmitir doenças a humanos e animais domésticos”, ressalta.

Além disso, ele destaca que “é preciso ter em mente que todo deslocamento forçado da fauna local, decorrente da supressão de vegetação nativa, resulta na migração de insetos vetores de doenças como leishmaniose, doença de Chagas, dengue, entre outras”, completa.

O especialista relata ter visitado o local em setembro de 2024 — momento em que chegou a presenciar diversas passagens abertas na mata, possivelmente criadas para o trânsito de máquinas utilizadas na extração ilegal da areia, além de um grande acúmulo de lixo, incluindo materiais que poderiam ter sido usados durante a extração.

“Estive no local no final de setembro de 2024 e encontrei vários acessos abertos entre as dunas e a vegetação para o tráfego de máquinas. Notei muito lixo acumulado em alguns pontos (lonas, madeiras, garrafas, plásticos, etc.). Nas áreas adjacentes às valas, há processos erosivos e mais acúmulo de resíduos. Existem extensas valas abertas. Após a proibição da exploração da jazida, o local foi simplesmente abandonado à ação do intemperismo”, relata.

Segundo o biólogo, a areia estava sendo retirada para ser usada pela Braskem no preenchimento das lacunas deixadas pelas minas de sal-gema. Ele sugere que a mineradora poderia ter optado por alternativas mais sustentáveis, como utilizar os escombros das demolições das casas desocupadas.

“A areia extraída é utilizada para estabilizar o solo, preenchendo as lacunas deixadas pelas minas de sal-gema. A Braskem poderia ter utilizado o material resultante das demolições dos imóveis desocupados, bastando construir uma planta de processamento de entulhos para obter um material com a mesma finalidade da areia. Outra alternativa seria realizar o desassoreamento da Laguna Mundaú, sob supervisão e orientação dos órgãos ambientais”, destaca.

Para o especialista, a Braskem também carrega responsabilidade pelos impactos ambientais causados em Marechal Deodoro, somando-se às responsabilidades já julgadas no caso do afundamento do solo em Maceió.

“O desmatamento da vegetação de restinga em Marechal Deodoro e Feliz Deserto, a remoção da vegetação ciliar na Laguna Mundaú, alterações na estabilidade do solo e possíveis contaminações químicas na Laguna Mundaú são questões graves. É necessário realizar estudos que forneçam dados concretos sobre os impactos em andamento, com total transparência em relação às metodologias e aos resultados obtidos”, finaliza.

Práticas sustentáveis

Tainá Teixeira, engenheira ambiental e doutora em Sociedade, Tecnologias e Políticas Públicas, destaca práticas que podem mitigar os danos ambientais e garantir uma gestão sustentável dos recursos naturais.

A recuperação de áreas degradadas pela mineração começa com o plantio de espécies nativas e pioneiras, que auxiliam na fixação do solo e na criação de microclimas propícios para o restabelecimento da vegetação original. Segundo Tainá, “a recuperação inicial pode ser alcançada em 5 a 10 anos, mas considerando a sensibilidade da vegetação, o processo completo pode levar décadas”.

Além disso, tecnologias como drones para monitoramento remoto, barreiras de controle de sedimentos e o reuso de resíduos da construção civil são fundamentais para minimizar os impactos e promover práticas mais sustentáveis. O uso de resíduos inertes, por exemplo, não apenas reduz a demanda por materiais naturais, mas também evita o descarte inadequado.

A mineração inadequada pode gerar sérios impactos no solo, na água e na biodiversidade. Tainá aponta que, em casos como o das Dunas do Cavalo Russo, os principais problemas incluem a compactação do solo e a alteração de sua estrutura, aumentando o risco de erosão e assoreamento de corpos hídricos. “O manejo inadequado pode levar à contaminação por metais pesados, salinização do solo e à perda de fertilidade, comprometendo o ecossistema local”, alerta.

Para evitar danos irreversíveis, Tainá sugere práticas de monitoramento abrangentes, como:

  • Qualidade da água: Uso de sensores de pH, condutividade elétrica e bioindicadores aquáticos.
  • Solo: Análises periódicas de metais pesados, matéria orgânica, salinidade e acidez, além de sensores para medir umidade e temperatura.
  • Ar: Monitoramento de partículas em suspensão geradas pela mineração.
  • Erosão e sedimentação: Sensoriamento remoto e medição em corpos hídricos e lençóis freáticos.
  • Biodiversidade: Levantamento contínuo da fauna e flora local.

A engenheira destaca a necessidade de um licenciamento ambiental mais rigoroso, aliado a um planejamento estratégico que incentive a recuperação ambiental. 

“É preciso fortalecer a disseminação de vegetação nativa, ampliar a compensação ambiental e implementar programas de educação ambiental que conscientizem a população sobre a importância da restinga e outros ecossistemas costeiros”, afirma.

Além disso, Tainá reforça a importância de monitoramento mais intenso e punições severas para empresas que desrespeitam as normas ambientais, assegurando que o avanço da mineração ocorra sem comprometer os ecossistemas protegidos e a qualidade de vida das comunidades locais.

Fiscalização

A Procuradora da República Juliana Câmara falou sobre a atuação do Ministério Público Federal (MPF) no complexo cenário da mineração em Alagoas, especialmente em áreas ambientalmente sensíveis, como regiões litorâneas e mananciais hídricos. 

Embora a fiscalização direta das atividades minerárias seja competência da Agência Nacional de Mineração (ANM) e das autoridades ambientais estaduais e municipais, o MPF intervém em casos de irregularidades, atuando como garantidor da integridade ambiental.

A ausência de estrutura adequada nas unidades regionais, como na ANM de Alagoas, onde há apenas um servidor, compromete a capacidade de monitoramento. 

Recentemente, ao ser solicitada pelo MPF para fiscalizar uma extração de areia, a ANM precisou de mais prazo para atender à demanda. Este cenário levou o MPF a instaurar um procedimento investigativo para avaliar o impacto estrutural na ANM e buscar soluções para fortalecer a atuação fiscalizatória.

Em resposta às falhas de fiscalização, especialmente em casos de reincidência de práticas irregulares de mineração, o MPF responsabilizou não apenas a mineradora e o empresário envolvidos, mas também a ANM e o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA/AL) em uma ação civil pública. 

“A inclusão de tais instituições nas ações visa assegurar que todos os órgãos envolvidos no processo de controle ambiental cumpram integralmente suas atribuições”, destaca a Procuradora.

O MPF defende melhorias no processo de licenciamento ambiental, incluindo rigor nas análises de impacto e estudos mais detalhados. Além de monitorar o cumprimento de condicionantes, a Procuradoria acompanha o uso de Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatórios de Impacto Ambiental (RIMA). 

Em casos de omissões que possam comprometer o meio ambiente e as comunidades locais, o MPF age judicialmente para responsabilizar os infratores e corrigir falhas no sistema.

Para garantir a recuperação de áreas impactadas pela mineração, o MPF monitora de perto a execução do Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD). 

A Procuradoria exige laudos técnicos apresentados ao Ibama para verificar se as metas ambientais estão sendo alcançadas. Se o PRAD for considerado insuficiente, o MPF se compromete a exigir ajustes, instaurar novos procedimentos ou recorrer judicialmente para garantir uma recuperação ambiental efetiva e sustentável.

*Estagiário sob supervisão da editoria 

Foto de capa: MPF/Reprodução