Desde a origem, é o que parece, o narcisismo pode trazer as piores fatalidades. O mais carente de todos os seres humanos, o narcisista pode provocar dor aos outros ou a si próprio, e, nos casos extremos, até protagonizar pequenas ou grandes tragédias.

Conta a mitologia, numa das suas muitas versões, que o próprio Narciso, ao rejeitar a ninfa Eco, a condena a viver no fundo dos bosques e das grotas, sempre a repetir a última sílaba das palavras que lhe chegam. O objeto do seu desejo frustrado não teve um melhor destino: cumprindo a profecia de Tirésias, Narciso encontrou a morte ao se enxergar pela primeira vez no espelho de um lago. Foi fundo – e não voltou.

Não há de se confundir a banal vaidade com o narcisismo, e talvez seja até difícil demais aos que o carregam tentar desembarcá-lo antes que o mal encontre abrigo para crescer forte e imbatível. Mas a vida está aí para nos ensinar, principalmente sobre nós mesmos, quando assim buscamos.

É claro que os instrumentos estão em nossas mãos, hoje como nunca, para cultivar o Narciso que cada um carrega e que, se não identificado, pode se contaminar com outros sentimentos, com consequências até explosivas. Literalmente, pois.

Lembro-me que a primeira vez que eu vi uma selfie - hoje algo tão banal que o estranho parece ser não fazê-la – foi em São Paulo. Era um sujeito jovem, vestido com alguma formalidade, que atravessava a Avenida Paulista, em dia de grande movimento (e o fez pela faixa de pedestre, ainda bem). Ele sabia que chamava a atenção já então, no momento do close – e estava prenhe de razão. 

(Lembrando agora da cena, pode nos dar a sensação de que isso aconteceu há cem anos, de tão repetida.)

Atualmente, vejo na minha caminhada/corrida matinal, bem cedo, jovens - e nem tanto - de ambos os sexos parando no meio da pista improvisada, de atletas idem, para divulgarem ao mundo o quanto são saudáveis e, se possível, sarados. Acho graça, cada vez menos, porque mesmo as melhores piadas se tornam chatas quando repetidas. 

A busca pela quebra da invisibilidade social pode ser o gatilho – palavra que ganhou eco em várias línguas – para dramas de dolorosas consequências. Como nos conta a história de Heróstrato, que se pôs numa busca alucinada pela fama e incendiou o templo de Ártemis, na Grécia (em 356 a.c.). Morreu na empreitada, mas pelo menos deixou como marca no mundo o alerta sobre o que ficou conhecido como a “Síndrome de Heróstrato”, que acomete a tantas personagens que querem escrever seu nome na história, ainda que com atos de terrorismo que vitimam inocentes – quando não ao próprio. Ganhou a fama e deitou no túmulo. 

Em tempos de fanatismos, ressentimentos, frustrações e ódios circulando sem freios e celeremente nas redes, ainda que não devamos nos entregar à paranoia, não podemos nos descuidar do adoecimento das almas – o que vai além da “simples” loucura. Um país inteiro pode pagar pelo nosso vacilo. 

Infelizmente, Heróstrato viverá enquanto existir o bicho humano.