A proposta de emenda à Constituição (PEC) que reduz a jornada máxima de trabalho de 44 para 36 horas semanais recebeu o número de assinaturas necessário para ser protocolada na Câmara dos Deputados. A iniciativa busca mudar o entendimento atual de que a jornada deva ser de até 8 horas diárias e até 44 horas semanais, o que viabiliza o trabalho por seis dias com um dia de descanso.

O CadaMinuto conversou com o advogado trabalhista Geraldo Carvalho, que falou sobre a proposta e explicou os aspectos legais da proposta. Confira, abaixo, a entrevista na íntegra:

Qual é o impacto da PEC que propõe o fim da escala 6x1 para os trabalhadores e empregadores?

A proposta de emenda pretende mudar o texto da constituição federal para, em seu artigo 7º, inciso XIII, passe a ser previsto limite de 36 horas de trabalho semanal, onde atualmente é previsto 44 horas, mantendo-se o limite diário de 8 horas. Ao meu ver, a proposta é boa e importante, principalmente com o avanço cada dia mais abrupto das tecnologias e conhecimentos, ainda tão ainda desigualmente acessadas pela população, além de a experiência internacional demonstrar que, nos países em que tal mudança foi implementada, há significativo aumento da empregabilidade além da própria produtividade das empresas, visto o aumento da qualidade de vida de seus funcionários.

A PEC tem alguma previsão de transição ou adaptação para empresas que já adotam a escala 6x1?

Não, a PEC é bem simples, inclusive. Apenas reduz o limite de 44 horas para 36 semanais, mantendo-se a possibilidade de compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. No entanto, caso se obtenha o número de assinaturas necessárias para a tramitação da PEC, certamente esta deverá sofrer alterações pelo parlamento, podendo serem estabelecidas não apenas regras de transição como até mesmo parâmetros diversos da redução proposta, um limite de 40 horas semanais, por exemplo. Este, inclusive, é o limite atualmente defendido pelo Ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho.

Advogado Geraldo Carvalho

O fim da escala 6x1 significaria uma jornada de trabalho mais curta para os trabalhadores ou uma mudança na forma como as escalas de trabalho são organizadas?

Como a PEC mantém o limite 8 horas de trabalho por dia, se aprovada da forma apresentada, necessariamente, significará redução  na quantidade de dias trabalhados por semana. Mais especificamente para 4 dias de trabalho e 3 de folga. Mas lembro, apenas se for aprovada exatamente da forma que foi proposta, o que acredito ser muito difícil, especialmente pelas pressões e “lobbys” das  grandes empresas, que inclusive, já iniciaram no Congresso.

Como a PEC se alinha com as convenções e acordos coletivos de trabalho que, em muitas áreas, já flexibilizam a jornada de trabalho?

Então, algumas normas coletivas, sempre resultantes do trabalho de sindicatos fortes e atuantes, conseguem, sim, estabelecer limites de jornadas menores que os estabelecidos na Constituição e na CLT, mas são minorias, especialmente nos últimos anos de enfraquecimento geral e institucional do movimento sindical. A PEC se alinha com o propósito de valorização do trabalho humano, mas, sobretudo, da própria pessoa humana, e isso encontra respaldo na própria Constituição Federal, que prevê a promoção do valor social do trabalho, mas, também, com normas internacionais, tal como a Convenção nº 47 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que determina o limite de 40 horas semanais, ou seja, reduzir o 6x1 para 5 dias de trabalho e 2 de descanso, que no entanto, apesar de ser uma norma internacional do ano de 1935, jamais foi ratificada pelo parlamento brasileiro. Vejamos como será tratada essa PEC, já que é ainda mais ambiciosa, em termos de proteção da classe trabalhadora.

A PEC traz alguma proteção adicional para os trabalhadores que atualmente são afetados por essa escala 6x1, como em setores com jornadas extenuantes?

Sim, à medida que se reduz o limite total de horas trabalhadas por semana mantendo-se o salário integral, ela traz não apenas proteção contra jornadas extenuantes, mas também uma remuneração adicional, de hora extra (pelo menos 50% a mais que a hora normal), para cada hora que passar o limite das 36 semanais, o que deverá resultar numa gestão mais consciente da mão de obra pelas empresas, uma maior quantidade de contratações, ou pelo menos, em uma maior compensação econômica dos trabalhos realizados.

Quais são os principais argumentos a favor e contra a proposta de extinção da escala 6x1?

Então, antes de qualquer coisa é vale ressaltar a importância desse debate que, de maneira surpreendente, está acontecendo no Brasil. É a primeira vez que se faz uma discussão pública sobre ampliação de direitos e proteção do trabalhador nos últimos 30 anos, em que os últimos 10 anos, em especial, foram simplesmente devastadores para os direitos trabalhistas do país, e além da coincidência de hoje estarmos completando 7 anos da reforma trabalhista, que viabilizou explorações extremas, como no casos dos profissionais de aplicativos.

A favor da proposta, temos a certeza de que a redução dos limites de tempo de trabalho trará consequências positivas sobre a saúde física e psíquica da classe trabalhadora, sobre a qualidade das relações sociais e familiares, das condições educacionais do povo em geral, além dos níveis de empregabilidade e distribuição de renda. Principalmente com o avanço cada dia mais abrupto das tecnologias e conhecimentos, ainda tão desigualmente acessados pela população.

Já os argumentos contrários, apresentados pelo alto empresariado do país e seus representantes, vão desde a falácia histórica de que ampliar direitos trabalhistas reduzem a produção nacional e prejudicam a economia, até à retórica fundamentalista de que o trabalho, ainda que em excesso, “dignifica o homem”. Mas a verdade é que a redução da jornada semanal de trabalho no Brasil é importante e necessária, em todos os aspectos, inclusive os econômicos, já que distribuição de renda na classe trabalhadora inevitavelmente leva ao aumento do consumo e, portanto, da atividade econômica como um todo.

Em sentido contrário às falácias alarmistas dos representantes do todo poderoso e egoísta Mercado, dados e estudos científicos comprovam não apenas a importância da desconexão com o trabalho para uma vida física e psicologicamente saudável,  mas também a sua consequência positiva na produção empresarial, seja na indústria, serviços, ou em qualquer setor.

Na verdade, na minha opinião, se aprovada, a PEC poderá corrigir a contradição histórica em que a mesma constituição que dá o direito ao laser, descanso, convívio familiar, saúde, educação etc., também impõe uma rotina semanal de 6 dias de trabalho para apenas 1 de folga, impossibilitando totalmente o trabalhador de cuidar de si, de sua família, de suas relações, de se educar e qualificar. Enfim, entendo que esse debate é uma oportunidade única de concretizar, em alguma medida, promessas ainda não cumpridas pela Constituição Federal promulgada ainda em 1988.

De qualquer modo, caso se consiga as 170 assinaturas necessárias e se inicie a tramitação da PEC, um alerta é necessário: precisaremos ter muito cuidado com os “jabutis”. O parlamento tem cada vez mais se especializado em incluir em projetos inicialmente bons dispositivos que desvirtuam e invertem uma lógica inicialmente protetiva, e certamente haverá tentativas neste sentido. É a realidade atual, especialmente quando se trata da tramitação de direitos trabalhistas, previdenciários, sociais em geral. Fica o alerta, mas sobretudo, a convocação para a união e participação ativa neste debate tão importante para a classe trabalhadora e a tida sociedade brasileira.