Poucas invenções e tecnologias foram tão definitivas na mudança do comportamento humano quanto a internet. Não poderemos jamais negar a ela os benefícios que nos trouxe, entendendo sempre que os males advindos do seu uso são decorrentes do que carregamos desde os primórdios, com destaque para o ódio nosso de cada dia.
Entre tantos efeitos colaterais da inevitável conexão, o psicólogo e escritor americano Jonathan Haidt destaca - em A geração ansiosa – a privação crescente entre os mais jovens do convívio social intenso, aquilo que molda personalidades, ensina a lidar com as emoções extremas, mas que crianças e adolescentes vivenciam cada vez menos. A suposta “ligação direta” é superficial, sem interação anímica – a que nos faz humanos.
Ele mostra, por exemplo, que desde o advento dos smartphones e similares a meninada vem reduzindo, progressivamente, o contato presencial, físico, fundamental para o desenvolvimento à fase adulta de forma mais adaptada ao mundo real. As conexões que vão tomando conta das relações sociais não nos apresentam, digamos, à vida como ela é. Sua conclusão: temos cada vez mais cautela com a garotada quando tratamos do mundo lá fora do que com o que circula na rede mundial, que tanto se alimenta do lixo e das misérias humanas - majoritariamente.
Haidt defende, e isso não me parece uma visão reacionária, pelo contrário, que as nossas crianças “possam acumular ampla gama de experiências de que necessitam, incluindo os fatores de estresse do mundo real”, estando junto à moda antiga, com seus imprevistos e improvisos. Algo assim: a vida é muito mais rica, para dizer o mínimo, do lado de fora da tela – e precisa ser conhecida e reconhecida.
Eis o melhor e o pior da vida: o inesperado, sempre a nos fazer surpresas. Aprender a lidar com elas, reagindo ao bem e ao mal com um olho no futuro, apesar de termos de resolver o que se impõe no presente, creio ser a grande equação que nos é proposta dia após dia.
Desconfio muito, e sempre, dos que projetam a vida em linha reta, não fosse ela cheia de nuances que nos fogem ao controle. Viver é maior que sonhar, embora o sonho nos seja indispensável para acreditarmos que haverá um amanhã - enquanto o sopro do prazer possa nos arrastar para algum lugar confortável. Nada será definitivo, a não ser a eterna mudança: de ânimo, desejos, rotas e desafios (o que exclui, por óbvio, o último adeus).
Não me queixo da vida pelo que ela me deu de dor, até porque não lhe dedico, com a mesma presteza, a gratidão quando me sinto pleno. Ninguém tem a consciência da felicidade quando ela se instala, sorrateiramente, embora bem-vinda. Já ao contrário, a infelicidade nos chega como um ato de profunda injustiça. Mas a vida não é justa ou injusta com ninguém. Não há escolhas para o bem ou para o mal, se eles nos chegam sem aparente explicação.
Tentar fazê-las, comparando perdas e ganhos - os nossos e os alheios-, é uma tarefa tão tola quanto inútil. Nossas escolhas, e bem o compreendemos quando penetramos com verdade e sem medo na nossa alma, são decorrência das circunstâncias e dos acontecimentos que carregamos do passado (e até do presente).
Não há um ponto de partida onde o nada nos permitiria deliberar sem olhar para trás, mesmo que o façamos célere e inconscientemente. O bebê teme a tomada de energia depois do primeiro choque. O que não há de se carregar é a fobia à eletricidade. Seria renunciar ao que já se tornou uma necessidade imperativa da humanidade.
Outros riscos precisarão ser enfrentados, até quando tudo nos parece no lugar, momentaneamente (e onde será que se esconde o bem-viver?). Renunciar aos novos riscos pode impedir que cheguemos ao lugar onde a paz possível se encontra: o equilíbrio entre o que é e o que achamos que poderia ter sido.
Enfim, os mistérios da vida não estão escritos, por ordem ou desordem, nas linhas da mão. Será assim sempre: o maior mistério da vida é a própria vida. Vivê-la, enfrentá-la e gozá-la é o tanto que nos cabe. Mesmo que não saibamos – e não sabemos mesmo – para onde estamos indo.
Perdoem-me, mas ainda creio que lugar de criança/adolescente é na “rua”.