Confesso que ainda fico atordoado com algumas produções que viajam sem freios pela internet. Concluo, sempre, que o problema não está no criador, normalmente alguém muito esperto, um criminoso, ou uma personagem que precisa de cuidados especializados. Minha preocupação é com o receptor das mensagens, que soariam absurdas para qualquer adolescente minimamente informado - só que não.

Mas, cá para nós, adulto quando fantasia é pior do que criança e ainda corre o risco de se tornar alguém muito perigoso, se não alvo do deboche geral, por encarar o que navega na sua imaginação com a mais ferrenha crença que lhe toma a mente e o coração.

É o caso de um vídeo sobre um tema já bastante batido entre os doentinhos de plantão: a morte de Lula e sua substituição por um sósia. Aliás, no caso da peça que vi no YouTube, por vários sósias, que não são capazes de iludir, no entanto, os espertos “inimigos da corrupção” - ainda que cultuem alguns dos corruptos mais explícitos da República.

Por conta da queda doméstica do presidente, creio, o assunto voltou a circular com força no hospício, onde, é a dedução inevitável, há uma plateia imensa à espera do show de horrores próprio desse palco lonado, em que leões e outras feras demonstrariam mais racionalidade.

A filmagem com o depoimento de uma “testemunha” é tosco demais, uma bobagem sem medida, mas eis que vêm os comentários, milhares deles, assinados por uma nova subespécie de bípedes implumes: os negacionistas crédulos.

E eles existem aos milhares, quiçá milhões. Crentes, por óbvio, na versão americana do Pé Grande, ou da Cuca, personagem do nosso folclore, os tais comentaristas beiram a loucura, se é que já não mergulharam nela e agora se afogam na própria baba mental, negando a si um tratamento profissional.

É possível uma loucura coletiva?

Longe de ser um especialista no tema – aliás, não sou especialista em nada -, ao ler os comentários tão desconectados da realidade, sou levado a crer que isso existe: uma loucura contagiosa que as redes trataram de espalhar qual um vírus epidêmico, coisa que já vimos em tempos pré-internet - com menos velocidade, é vero.

Ignorância, da minha parte, daquilo que é a "vida real"?

Acho melhor assim. Se andasse nesse meio, talvez eu não guardasse mais nenhuma esperança em nós, como espécie. Sim, eu sei que há bons e maus sujeitos, e que todos temos um pé em cada lugar da alma humana, mas acho que abdicar da nossa capacidade de pensar, abrir mão daquilo que nos possibilitou existir como espécie, não me parece um caminho cultural evolutivo. Soa como um retrocesso aos tempos em que, nas cavernas, nos escondíamos apavorados dos trovões.

Está óbvio que este breve texto está prenhe de indignação e de perplexidade, mas não quero perder a capacidade de me preocupar com isso e de me impactar com aquilo que, de tão humano, nos parece impossível de crer. Até porque o corpo ainda "está lá estendido no chão".

Repito sempre um chiste: o de que não preciso morar num hospício para saber o que é a loucura, mas acho que o nosso Machado de Assis bem que poderia ter tido o dom da premonição, ao escrever a história de Simão Bacamarte - em sua Casa Verde. Só que, reparando bem, acho que o Bruxo do Cosme Velho sabia mesmo era que a espécie humana há de se repetir, se repetir e se repetir, eternamente, de forma tediosa, até o fim dos tempos - seja lá quando ele chegar pelas mãos e pela desinteligência do homem. 

Não por acaso, o histórico genocida alemão/austríaco não deve ser entendido “apenas” como “aquele assassino”: esse mal não tem pátria nem tempo, porque somos também assim – vulneráveis aos apelos que zombam da nossa precária sanidade. 

Que o nosso lado bom, e todos nós o temos, esteja sempre de vigília, mesmo nas pequenas estupidezes que trafegam pela rede universal. 

Por tudo que nós já vimos e sabemos não dá para apenas rirmos do que nos parece tão somente risível.