Sim, gente, pode haver vida inteligente nas redes sociais, o que nos pareceria improvável, na média, até pelo volume de estupidezes e idiotices que circulam por esse instrumento fantástico, criado para unir, mas que tem, majoritariamente, separado iguais e diferentes.

Recentemente, vi uma entrevista de uma jovem bióloga, Mari Krüger, de 28 anos, que se dedica a esclarecer alguns dos muitos pontos de crenças e ignorâncias que nós acumulamos no dia a dia. Por óbvio, estas fazem muito mal e podem - devem - ser evitadas. 

Por exemplo: o uso prolongado do celular quando exercemos uma inevitável e saudável atividade ao assento do vaso sanitário, o que pode nos trazer como consequência as terríveis e dolorosas hemorroidas. É a ciência aplicada ao nosso mais banal cotidiano, o que, infelizmente, “não se aprende no colégio” (ainda).

A jovem e simpática divulgadora da ciência é o resultado não previsto, este benéfico, da pandemia, que trouxe muita gente boa a público, que não teria espaço na mídia tradicional e que ainda seguiu adiante e levou luz para o território sombrio dos famosos vazios. Ela, creiam, tem 1,2 milhão de seguidores no Instagram e 820 mil no TikTok.  Assim, faz o bem sem olhar a quem. 

Mas Mari Krüger se mostra esperta o suficiente para passar suas mensagens elucidativas sem que sofra as sentenças do tribunal da internet: evita, por exemplo, entrar nas bolas divididas em áreas que muitas pessoas, inclusive intelectualmente bem formadas, encontram motivos de crença, a exemplo da homeopatia – “é a mãe das pseudociências” – e da psicanálise (com toda reverência a Freud).

Já a conhecida microbiologista e professora da Universidade de Colúmbia (EUA) Natalia Pasternak, também presidente do Instituto de Questão de Ciência, foi mais além e resolveu peitar a turma das duas áreas – e não apenas estas – com valentia e disposição para um embate ruidoso, sem tréguas, e ainda em curso.

Ela lançou em agosto de 2023, em parceria com o jornalista Carlos Ossi (marido dela), o divertido e esclarecedor Que bobagem!, atacando sem pena e sem medo as chamadas pseudociências, entre as quais ela inclui as duas já citadas, ao lado da acupuntura, paranormalidades , antroposofia, curas energéticas,  medicina tradicional chinesa e até simples bobagens como astrologia. Em dose única, ataca o que considera o mal geral.

Claro: como boa cientista, vem apanhando de muitos lados, mas não muda de lado e continua a provocar novas e boas discussões sobre temas que a maioria de nós ignora, tantas vezes por pura preguiça, mas que se tornam facilmente compreensíveis nos textos cheios de conhecimento e humor da admirável dupla. 

O cientista e polemista Richard Dawkins, responsável por uma das mais ricas obras de divulgação científica, já nos alertou para os embates entre cientistas, que não poupam adjetivos nada cordiais aos seus “inimigos” – de ideias, mas que também descambam para o lado pessoal. Afinal, eles são tão humanos e vulneráveis quanto nós, as pessoas comuns.

Mesmo parecendo elegante, ele “atirou” contra seu maior rival, a quem nunca negou respeito e admiração, dizendo que ele fazia “ciência poética”. Não, gente, ele não estava elogiando o também biólogo Stephen Jay Gould, de quem discordou na essência da interpretação de um dos pilares da Evolução. 

Ainda que sem tomar partido, não seria o caso mesmo, leio os dois – Dawkins e Gould –, até pelos ensinamentos do cientista inglês, que se mantém vivo (Gould morreu em 2002). Afinal, foi num de seus livros, O capelão do diabo, em que li pela primeira vez que não devemos nos curvar ao argumento da autoridade, mas à autoridade do argumento.

O ensinamento está numa carta que ele escreveu a sua filha Juliet, quando ela completou dez anos de idade. É um belo e poético ensaio sobre a importância da ciência em nossas vidas, destacando a necessidade de questionar a tradição e valorizar as evidências que devem nortear o conhecimento científico.

Repito: para a vida, certo?

Ao fim e ao cabo, ficamos assim: a ciência sempre será o território da dúvida, da busca, do questionamento que não acaba nunca, um delicioso caminho de descobertas jamais definitivas. Quem busca apenas certezas há de seguir para outros territórios, ao gosto do freguês, que escolha também em que doses.