Certa feita, em comentário ao blog, uma internauta indagou o porquê de eu andar de cabeça baixa, olhando para o chão, nas minhas corridas/caminhadas diárias. E, concluindo, foi incisiva: “Você tem medo de quê”?

Achei graça e preferi não responder. Poderia argumentar com minha timidez crônica, com a concentração que mantenho sempre que faço exercícios físicos – um momento em que resolvo com mais facilidade algumas questões que estão me incomodando. Acrescento: chego até a escrever quando corro ou caminho - atividade que divido com outra: o canto.

Por esses tempos de agora, entretanto, tenho de confessar que piorei muito nesse quesito, particularmente quando me deparo com uma mulher à minha frente – e de qualquer idade. Uma explicação que já me dá uma resposta objetiva àquela pergunta da leitora deste espaço: tenho medo, sim, de que um cumprimento mais simpático ou até um sorriso genuíno possa vir a ser confundido com assédio. 

Imagino que não seja paranoia, até porque, paulatinamente, ao cruzar frequentemente todos os dias com as mesmas pessoas - homens e mulheres -, passamos a nos cumprimentar naturalmente, dedicando um “bom-dia”, como parte da rotina de pessoas civilizadas e que gostam do contato humano. No mais, o olhar para o chão me põe a olhar para dentro – apenas isso.

A questão em curso diz muito respeito a um comportamento comum nas redes sociais, que acompanho a distância, ainda que deduzindo o que se passa por lá (repito: não preciso morar num hospício para saber o que é a loucura). Com elas, chegou também, feito um rio caudaloso, a vontade irresistível de quebra da invisibilidade social. 

Assim me parece: eu sou um perfil perfeito para um escândalo ao modo atual - um idoso caminhando para os 70 anos, bastante conhecido na paróquia e que, em decorrência da minha profissão, tem espalhados por aí indivíduos – muitos? – que me consideram inimigo ou similar. Não sabê-los é até bom, mas é fundamental entender que eles existem. E aí, não tem jeito: penso, logo desconfio.

Em regra, e eu sou grato a isso, as ruas me tratam com muito respeito e carinho, mas estes (estas) são as pessoas que gostam de mim e que se manifestam ao se depararem comigo. O problema é que o “inimigo” se mantém oculto até a hora do ataque. É assim até agora a história dos homens e mulheres comuns – e eu sou um deles. 

Ser uma pessoa comum, por esses tempos, virou um "defeito" dos mais graves, ainda mais quando rematados idiotas se tornam referência – influencers - com milhões de seguidores. A invisibilidade social, eis o busílis, tornou-se um tormento para muita gente. E aí, com uma ajudazinha, o problema pode parecer resolvido - ainda que a normalidade volte celeremente. Um empurrãozinho para essa gente, mesmo que seja minoria, eu não me disponho a dar - voluntariamente.

Deixo claro que defendo, com veemência, que o assédio – de qualquer tipo – deve ser repudiado e denunciado aos quatro cantos, principalmente o de cunho sexual, algo estúpido e bárbaro que se perpetua mesmo nas sociedades mais antigas. E, bem sabemos, são os homens os mais comuns protagonistas das ações que caracterizam esse tipo de assédio, que a muitos dá a sensação de ser coisa "macho" (sei não, viu?). 

O que temo, esclareço, não é a morte física, o que nesse caso não está na ordem do dia – mas a morte social, às vezes abrupta e inexplicável, que o tribunal do Facebook trata de sentenciar. Dá para imaginar até o coro dos virtuosos quando alguém mais incômodo desmorona. 

Amigos meus até brincam quando eu lhes digo do meu comportamento diário e público, mas respondo sempre com uma blague, lembrando a premonição de Chico Buarque, em um verso dos anos ainda sem internet

- Chego a mudar de calçada quando aparece uma flor.

Que ela seja colhida por mãos que a mereçam - eu me recolho.