Para existir, precisamos ser vistos. Esse senso de pertencimento ao mundo — espaço aberto que não se separa de nós — é comum a toda a humanidade.
A necessidade de acolhimento de todas as pessoas nos faz buscar locais que sejam verdadeiros ninhos nessa grande selva de pedra urbana que nos inserimos ao longo dos séculos e, aos poucos, fomos chamando de casa.
É por isso que o bar alternativo Pub Treze está abrindo ainda mais as suas portas para as pessoas transsexuais, travestis e não-binárias.
Este ano, de forma inovadora, a 4ª edição do Hallowands terá a Lista T, garantindo entrada franca especificamente para esse público. Antes, a organização do evento dava descontos para o público trans, mas agora resolveu abrir os braços de vez.
Organizado pela produtora Curtindo Um Barato Juntos e com apoio cultural da Instituto Moraes, o evento ocorrerá nesta sexta-feira (11), a partir das 21h, no próprio Pub, com capacidade máxima de 200 pessoas. As atrações são o DJ Bacana, o DJ Perigou e as bandas Dama Crânio e Rock em Dobro.
À fantasia, a festa promete movimentar os melhores looks da cidade em reverência ao Dia das Bruxas — o Halloween —, já no imaginário de todo mundo, onde podemos soltar a imaginação e, sobretudo, onde a inclusão é efetivada.
Portanto, o Hallowands tem em si essa premissa de acolher o diferente — os little monsters, como diria a rainha Lady Gaga.
“Se ao longo de 5 anos do Pub, tivemos um discurso de inclusão social e sempre buscamos algo mais concreto, esse segue sendo um start. Obviamente não conseguiremos reparar tudo que anos de sofrimento representa historicamente falando. Mas, ainda assim, é um começo. Quem sabe um pontapé inicial para outros CNPJs aderirem a mesma prática da Lista T por um futuro melhor para a humanidade”, pontua o Pub Treze em sua rede social oficial no Instagram.
Conforme a organização do evento, essa iniciativa só foi possível graças a um alinhamento entre Isadora Magalhães, à frente do Pub Treze, e Glenda Brandão, trans que tem sido a voz deste novo movimento em Arapiraca, a segunda maior cidade de Alagoas.
É um momento importante para esta comunidade em nossa cidade, a partir do espectro de diversidade se instaurando em cada ano que passa.
É preciso infelizmente registrar que, há 15 anos consecutivos, o nosso país é o que mais mata pessoas trans no mundo, segundo dados da Transgender Europe (TGEU) atualizados em 2023 e obtidos pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). Curiosa e paradoxalmente, o Brasil é, também, o que mais faz buscas em sites de pornografia pelo conteúdo trans. Freud explica.
Para que essa realidade controversa mude e o respeito prevaleça — deixando as pessoas trans devidamente vivas —, é preciso haver plataformas que permitam que essas vozes sejam perputuadas e ouvidas de forma regular, para que se tornem corriqueiras e, assim, livres de pré-concepções, abrindo um viés sincero de compaixão e acolhimento. Apesar de diferentes, somos iguais. Nossa base é a mesma. E por isso, nos damos as mãos nessa caminhada.
E é nisso que o Pub Treze, a partir de Isa e Glenda, sai na frente no Agreste alagoano — ainda que a sociedade siga atrasada por escolha própria.
Para acertar os ponteiros do relógio, conversamos então com a auxiliar de Odontologia, Glenda Brandão, de 25 anos, sobre as suas expectativas para o 4º Hallowands e como vê a Lista T.
Confira abaixo o ping pong com ela, em entrevista a seguir com exclusividade.
Como surgiu essa ideia? Foi você e Isa que afinaram essa perspectiva de dar mais visibilidade à comunidade trans e não-binária em ambientes como o Pub Treze?
A ideia surgiu pela falta de demanda desse público e, em conversa com a Isa, entendemos que faltava iniciativa por parte de produtores culturais aqui em Arapiraca, que fazem, de fato, os eventos acontecerem, a fim de tentar incluir esses corpos e “corpas”, por meio de lista. Além de faltar a inclusão, falta também o entretenimento direcionado para este público. Mas tenho esperança. Por isso, seguimos.
De fato, noto que o público trans tem pouca saída em festas e eventos pela cidade. A que se deve isso? Receio da violência, não aceitação, preconceito? Às vezes, cansa, né?
Sim, a violência ainda é muito presente. Tanto a física, como a verbal e não verbal — os olhares. As pessoas ainda estão muito despreparadas para esses corpos e ficam, por vezes, pisando em ovos, não sabendo como nos tratar (que é o básico). Vivo intensamente a vida noturna em Arapiraca e fica nítido o desconforto de algumas pessoas. E aqui é onde a gente aperta na tecla mesmo de trazer esse público trans e não-binário, pois já existe um sentimento de não pertencimento.
Tens visto as coisas mudando ultimamente, para melhor, em alguma medida dessa nossa régua cultural (cultura aqui, em se tratando de comportamento)?
Muito, muito! Hoje em dia, em Maceió — onde hoje estou morando —, a cena noturna é muito inclusiva. Você vê todos os tipos de corpos se divertindo em conjunto, sejam travestis, NBs [não-binárias], gays, lésbicas, cisgêneros. Todo mundo no mesmo espaço, se entrosando, conversando. Hoje, são mais presentes esses corpos que há 10 anos, por exemplo. Quando comecei a sair para barzinhos, eu via uma pessoa ou outra igual a mim. Hoje é diferente. No Pub Treze mesmo, lembro que quando eles abriram, poucas pessoas trans andavam por lá. Era pingado. Hoje vou às festas do Pub e vejo essa inclusão aumentando. É muito massa!
Estamos no início da primavera. Você vê um florescer mais acentuado a partir de agora na nossa cidade, com vocês saindo mais às vistas (como para esta festa) e, desse modo, influenciando outras meninas a se aceitarem e se mostrarem em essência ao mundo? A saírem de seus casulos, enfim?
É muito nítido! Há um crescimento imenso com relação aos anos anteriores. Atualmente, frequento festas de Arapiraca e consigo ver essa diversidade. Eu estava lá no comecinho do Pub, onde havia, em sua maioria, pessoas brancas, cis e heterossexuais. Tenho frequentado também outros ambientes e vejo que a diversidade está aflorando no Agreste alagoano. Vi a Liniker comentando em um podcast que, às vezes, não é legal ser a precursora de algo. Mas é preciso que alguém dê o pontapé inicial e se mostre nesses locais, que tenha essa coragem, para que outras pessoas acompanhem e façam a soma. O resultado vai ser bom para todo mundo. E assim, todo mundo vai se sentir mais confortável e seguro. Cada vez mais.
E o quão simbólico é esse ato do Pub em proporcionar entrada franca para vocês?
O Pub está sendo o precursor neste movimento em Arapiraca. Em alguns ambientes, a gente pode se sentir não incluída ou até não muito bem-vinda. No Pub, é o contrário: me sinto acolhida, me sinto respeitada. Então, essa Lista T é uma superconquista! E não é só sobre haver entrada franca para a comunidade trans e pessoas não-binárias; é sobre o local tomar a iniciativa e nos chamar, dando espaço para esses corpos existirem. Com essa lista, a gente se sente convidada a ocupar esses espaços, que, em sua maioria, são frequentadas por pessoas cisgêneras, pessoas com um padrão de vida um pouco mais elevado. A maioria das meninas trans vem desse estado de marginalidade, onde elas não têm acesso, onde não há inclusão — e mesmo havendo o espaço, às vezes você pode ser que você não se sinta bem. Com essa iniciativa da Lista T, vemos outro olhar para a comunidade: você se sente chamada, pertencente. Ainda há pontos a serem melhorados em Arapiraca, claro. Esse é só o começo.
E o que esperas da festa?
Sempre o melhor! As festas do Pub Treze nunca deixam a desejar! Eu venho acompanhando desde a primeira edição o Hallowands e todas foram muito gostosas. Espero muito look bonito, muita gente cheirosa e muita gente acolhedora e receptiva. Será a festa com a cara da nossa cidade-árvore que dá frutos e ao mesmo tempo uma sombra que agrega e acolhe todo mundo.