De acordo com pesquisa do grupo  Ginga da Universidade Federal Fluminense (Ginga-UFF), o número de candidatos de religião de matriz africana nestas eleições é quatro vezes maior, comparado às últimas eleições municipais. Em 2020, eram 63, este ano subiu para 284. O percentual ainda é reduzido, apenas 3,3% no universo de 8.731 candidaturas de viés religioso, aquelas em que os postulantes utilizam no nome de urna títulos como pastor, padre, missionário, babalorixá, pai, mãe, entre outros. A análise, realizada com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), destaca que a maioria dos candidatos que usam identificação religiosa é evangélica, somando 8.290 (94,9%) nomes; já os católicos representam 157 (1,8%). 

A coordenadora da pesquisa, Ana Paula Miranda, professora de Antropologia da UFF, explica que o levantamento surgiu a partir da ausência de informações sobre candidaturas de lideranças de terreiro. Apesar da baixa proporção, a pesquisadora considera importante que tenha havido um aumento. “Eles são poucos proporcionalmente em relação aos evangélicos, mas essa eleição apontava um crescimento de candidatos em relação à eleição municipal  anterior, 2020”, diz Ana Paula.  

O estudo observa a composição de afrorreligiosos na política eleitoral e evidencia que os estados com mais postulantes dentro desse perfil são: Bahia (50 candidaturas, 17,6%), São Paulo (48 candidaturas, 16,9%), Rio Grande do Sul (45 candidaturas, 15,8%) e Rio de Janeiro (41 candidaturas, 14,4%). Enquanto isso, no Amapá, em Roraima, no Acre e em Mato Grosso do Sul não foram identificados representantes.

Veja a distribuição das candidaturas pelo país:

Para o candidato a vereador pelo Psol Rio, Pai Dário Onísègun, falta representatividade de lideranças de religiões afro-brasileiras nas câmaras municipais. “A minha candidatura foi um chamado dos povos de terreiros de matriz africanas. Não temos nenhuma representação na câmara dos vereadores e precisamos deste espaço”, afirmou o babalorixá ao Congresso em Foco.

 

Perfil dos candidatos

O estudo mostra que afrorreligiosos formam um grupo de candidaturas que difere do perfil nacional, com distribuição menos desigual em relação aos gêneros. Quanto à autodeclaração, raça, pretos e pardos somam a maioria. Já as escolhas partidárias dos candidatos de religião de matriz africana são mais alinhadas às siglas consideradas progressistas, enquanto os postulantes evangélicos e católicos estão alinhados as agendas de direita.

“As candidaturas cristãs, principalmente as evangélicas, mas a católicas também, pautam suas agendas políticas a partir da religião. Muitas vezes associada a uma agenda de costumes, a uma política anti direitos, proibição do aborto. Não querem a Lei 10.639 na escola, não querem discutir questões de gênero. Sempre orientadas por uma visão mais conservadora das relações sociais. As candidaturas de terreiro chamam a nossa atenção por terem um perfil mais progressista, uma agenda de direitos”, explica a pesquisadora Ana Paula. 

Quanto à autodeclaração de cor ou raça, apesar do significativo percentual de pardos nos grupos de candidatos religiosos, é entre os afrorreligiosos que se percebe a representatividade negra somando pretos e pardos. O grau de instrução aproxima os grupos de candidaturas afrorreligiosas e evangélicas, com maior número de pessoas com ensino médio completo. Já as escolhas
partidárias novamente demonstraram as diferenças entre os grupos, tendo afrorreligiosos em partidos de espectro ideológicos mais progressistas em maiores percentuais e cristãos evangélicos em partidos de espectro ideológicos conservadores”, diz o estudo.

Intolerância religiosa 

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 1 milhão de brasileiros seguem religiões de matriz africana, como umbanda, candomblé, ifá, entre outras. Apesar do grande número de adeptos, nos últimos anos os casos de intolerância religiosa vêm aumentando. Entre 2022 e 2023, as denúncias de intolerância cresceram 64,5%. 

A discriminação também atinge candidatos pertencentes a religiões afro-brasileiras, como Pai Dário, liderança do candomblé. O candidato a vereador foi alvo de racismo religioso nas redes sociais logo no início de sua campanha, além de ter o veículo de campanha pinchado com palavras racistas e de ódio à religião. 

Para o religioso, a escalada crescente da violência contra religião de matriz africana torna ainda mais urgente a participação desses grupos na política. “Nossas candidaturas são inovadoras e desafiam aqueles que nunca nos aceitaram na política, por isso, a reação contrária é forte. Mas com a ajuda dos orixás e dos ancestrais teremos uma voz pública e um espaço para combater toda essa intolerância e racismo religioso”, ressalta Pai Dário. A defesa do candidato registrou o caso na Delegacia de Crimes Raciais, ainda enviou uma carta ao Ministério da Igualdade Racial e ao Comitê de Eliminação da Discriminação Racial da Organização das Nações Unidas (ONU).

O estudo “Eleições 2024: as candidaturas afrorreligiosas em foco” é assinado por Ana Paula Mendes de Miranda, Andréia Soares Pinto, Pedro Jardim Fontenelle Bastos da Motta, Rafael Oliveira Werneck Barroso, Ygor Fernandes Alves, do grupo Ginga, da UFF.