Um estudo que contesta a nota técnica do Banco Central sobre o uso de recursos do programa Bolsa Família em sites de apostas mostra que as pessoas contempladas pelo programa gastaram R$ 210 milhões com as bets, durante o mês de agosto desde ano. 

A análise da LCA Consultoria Econômica teve como base a nota técnica do BC, que indicou o valor de R$ 3 bilões em transferências por Pix dos beneficiários do programa nos sites de apostas, sem levar em consideração, na visão das bets, o valor devolvido em prêmios.

Nos valores revelados no estudo realizado pelas bets, considera o valor enviado à plataforma, o dinheiro que volta ao jogador e o que fica retido pela empresa, tanto as taxas quanto os valores deixados pelo jogador para futuras apostas. A quantia mencionada corresponde a 1,5% dos R$ 14,1 bilhões repassados aos beneficiários naquele mês.

Os R$ 210 milhões seriam a diferença entre o total de apostas feitas e o total pago em prêmios, levando em conta uma taxa de retorno de 93%, a média praticada pelas bets associadas ao Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), que reúne a Bet365, Flutter (Bet Nacional), Entain (Sportingbet), Betsson Group, Betway Group, Yolo Group, KTO Group, Rei do Pitaco, Novibet, LeoVegas (MGM Grand, parceira do Grupo Globo), Kaizen Gaming (Betano) e SkillOnNet.

O índice de retorno é conhecido como RTP (return to player), uma porcentagem do dinheiro apostado que volta ao apostador, caso ele jogue infinitamente. Nesse caso, de cada R$ 100 apostados, R$ 93 voltariam ao apostador, na média de todos os jogos.

O número é maior do que o exigido pela determinação da portaria do Ministério da Fazenda que regulamentou o setor, com índice mínimo de 85%, em regra que começa a valer em janeiro de 2025. Essa foi a taxa estimada pelo Banco Central na nota técnica. Se ela for usada como parâmetro, os gastos subiriam para R$ 450 milhões ou R$ 3 bilhões em apostas e R$ 2,55 bilhões em prêmios.

Porém, na análise do IBJR, o RTP no Brasil fica mais próximo dos 7%. "A própria competição do mercado estimula que as operadoras, para atrair os apostadores, paguem prêmios maiores, reduzindo o valor retido", diz o diretor da LCA Eric Brasil, um dos autores do estudo.

Atualmente, no mercado não regulamentado por completo no país, porém, não há garantias de que um retorno ao jogador mínimo seja praticado pelo site. Como a regulação sobre as apostas online ainda não está em vigor, não há controle nem dados oficiais sobre o setor.

O Banco Central não comentou o estudo das plataformas. A entidade disse, na nota técnica divulgada no último dia 24, que a margem de 15% poderia estar subestimada. Afirmou ainda que os dados de movimentação não consideravam pagamentos feitos com cartão ou TED.

O IBJR diz, defendendo seu lado, que os valores depositados são inflacionados pelos jogadores que apostam, ganham, sacam o dinheiro e depois o depositam para apostar de novo.

Na quinta-feira (3), o governo federal recuou, por enquanto, na ideia de bloquear o cartão do Bolsa Família para apostas, uma sugestão aventada após a divulgação dos dados do BC. A avaliação é a de que é melhor esperar para ver como as medidas já anunciadas pelo Ministério da Fazenda podem impactar o mercado.

Pelos cálculos da LCA, a tributação das casas de apostas antes da reforma tributária ficará em 27% sobre a receita, os custos operacionais, em 58%. Entram na conta PIS/Cofins, ISS, IPRJ, CSLL e uma alíquota adicional de 12% criada pela lei nº 14.790/2023, que regula as bets.

O imposto setorial teria como destinação educação, esporte, segurança pública, seguridade social, turismo e a medidas relacionadas ao setor de jogos. 2,5% dos 12%, por exemplo, seriam destinados à prevenção da dependência em apostas, por trás de relatos de superendividamento de famílias.

Hoje, o setor pressiona o governo para se manter fora do imposto seletivo, chamado de imposto do pecado, aplicado a produtos e serviços nocivos à saúde. Segundo cálculos da Associação Nacional de Jogos e Loterias, a tributação chegaria a 48% da receita se as bets forem incluídas nessa categoria.

O aumento da tributação sobre os sites de apostas é uma das medidas levantadas pelos profissionais de saúde, para desincentivar o jogo, porque os custos tributários teriam de ser repassados ao consumidor. Assim, os gastos nessa atividade ficariam mais evidentes para o usuário.

No estudo da LCA, também, é indicado que o tamanho total do mercado de apostas deveria ser calculado com base na receita, não no valor total movimentado, que pode variar de R$ 216 bilhões a R$ 249 bilhões, de acordo com o estudo do Banco Central.

Portanto, o mercado seria avaliado em algo entre R$ 34,9 bilhões, de acordo com a margem do Banco Central, e R$ 16,3 bilhões, segundo a margem de 7% dita pelas bets.

Nesse cálculo, o valor destinado a bets ficaria entre 0,1% e 0,3% do consumo das famílias. A LCA afirma que cinema, teatro e fotografia, entre outras atividades da economia criativa e da cultura, representam 10,8% dos gastos familiares hoje, com base em estudo do Itaú.