Um estudo recente do Banco Central revelou um cenário preocupante — parte significativa dos recursos do Bolsa Família está sendo direcionada para jogos de azar online. 

Só para se ter uma ideia, em agosto deste ano, cerca de 5 milhões de beneficiários, ou seja, um quarto dos inscritos no programa no país, gastaram R$ 3 bilhões em plataformas de apostas, utilizando principalmente o Pix.

Ainda de acordo com o levantamento, a média gasta por beneficiário foi de R$ 100, e 70% desses gastos partiram dos chefes de família. 

A pesquisa foi realizada a pedido do senador Omar Aziz (PSD-AM), que planeja solicitar à Procuradoria-Geral da República (PGR) a adoção de medidas judiciais para suspender as atividades das plataformas de apostas online até que haja uma regulamentação por parte do governo federal.

Endividamento de beneficiários do Bolsa Família em AL 

Essa é uma realidade não tão distante para as 533.978 mil famílias alagoanas beneficiadas pelo principal programa de transferência de renda da administração federal. 

De acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) de agosto, divulgada pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Alagoas (Fecomércio AL), o hábito de apostar online está contribuindo significativamente para o aumento do endividamento das famílias alagoanas de baixa renda, especialmente entre aquelas que dependem do Bolsa Família. 

Os dados indicam que esses gastos estão comprometendo a capacidade de pagamento das famílias e as levando a uma situação financeira cada vez mais delicada.

Além disso, o levantamento ainda revela que sete em cada 10 alagoanos estão endividados, tendo o cartão de crédito como principal vilão na hora de fechar as contas. 

“Em termos gerais, 72,2% das famílias alagoanas estão endividadas. Considerando que os dados do Censo 2022, do IBGE (2024) apontam a existência, no Estado, de 1.041 milhão de domicílios familiares (ou famílias), isso significa dizer que as dívidas alcançam cerca de 750 mil famílias”, destaca a Fecomércio AL.

Apostas têm tirado comida da mesa dos alagoanos

O crescimento das apostas no Brasil, especialmente mediante plataformas digitais, tem gerado preocupações significativas sobre suas consequências socioeconômicas, tanto no Brasil quanto em Alagoas. 

O economista, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e consultor, Francisco Rosário, expõe dados alarmantes em relação ao aumento desse fenômeno. 
 


Ele destaca que o levantamento do Banco Central indica que aproximadamente 24 milhões de brasileiros, equivalendo à cerca de 12% da população, participaram de jogos de azar em transferências via PIX.

“Quando se trata de transferências via PIX, a situação se torna ainda mais grave. Uma vez que o dinheiro é apostado, não há como recuperá-lo”, observa Rosário, ao mencionar à facilidade com que os usuários podem gastar sem controle.

O especialista alerta que a realidade das famílias de baixa renda em Alagoas é particularmente preocupante. Ele afirma que as apostas estão afetando o consumo básico, resultando em “comida sendo tirada da mesa”. 

Rosário ressalta a vulnerabilidade dos jovens e das mulheres em relação ao vício em apostas. Ele aponta que, com o dinheiro do Bolsa Família utilizado para jogos, as famílias enfrentam um ciclo de privação e desestruturação. 

“O jogo ocupa o mesmo espaço no cérebro que outros vícios, como o álcool e as drogas”, adverte, evidenciando a gravidade do problema.

Em meio a esse cenário, a regulação das apostas surge como um tema controverso. O professor acredita que, apesar das discussões sobre proibições, a regulamentação é mais viável devido aos interesses envolvidos. 

“O Brasil está sufocado por queimadas, mas ainda assim legislações polêmicas têm sido aprovadas. O mesmo acontece com as apostas — há um emaranhado de interesses que dificultam qualquer movimento significativo”, afirma.

O perigo do “ganho fácil” 

O especialista discute as motivações por trás do crescente interesse das pessoas em jogos de azar, enfatizando que o fenômeno não se limita a um perfil econômico específico. 

“Não é porque a pessoa é pobre que busca ganhar fácil”, afirma Rosário, mencionando até mesmo artistas de sucesso que, apesar de sua riqueza, se envolvem nesse cenário. 

Ele aponta que a valorização de ganhos fáceis, muitas vezes promovida como um investimento legítimo, distorce a percepção do que realmente é seguro e responsável.

“Essa mensagem está presente em vários canais, incluindo a TV e as redes sociais. Ela leva as pessoas a acreditarem que podem ter ganhos fáceis, o que está destruindo famílias”, destaca. 

O especialista observa que a busca por esses resultados imediatos acaba levando muitos a perderem tudo, deixando-os em situação de vulnerabilidade financeira. “Neste exato momento, há pessoas passando fome porque jogaram seu dinheiro em apostas”. 

Ele acredita que a mensagem de que o sucesso financeiro depende apenas do esforço individual, desconsiderando a necessidade de trabalho árduo e construção gradual, é um dos fatores mais prejudiciais. 

“Não é uma questão de educar financeiramente as pessoas, mas de mudar o discurso da sociedade”, argumenta.