A rotina de Roberta*, uma estudante lésbica de Maceió, que enfrenta desafios emocionais, é marcada por uma constante luta para lidar com a ansiedade e a tristeza. “A ansiedade passou a fazer parte do meu dia a dia, assim como momentos em que tenho crises de tristeza”, confessa. 

Para amenizar esses sentimentos, ela recorre a atividades que a distraem, como ouvir música, ler e até mascar chiclete. Segundo ela, essas pequenas práticas são uma forma de continuar com suas responsabilidades. “Tento lidar de uma forma prática, que se encaixe na minha rotina de trabalho e não me atrapalhe, porque preciso trabalhar e seguir em frente.”

Além da saúde mental, a estudante precisa ainda lidar com o preconceito que afeta profundamente sua vida. Ela vive em um ambiente familiar hostil, marcado por homofobia, o que gera uma constante sensação de insegurança e medo.

“Fico apreensiva até de demonstrar afeto com minhas amigas em público, porque as pessoas sempre julgam de maneira errada e contraditória”, desabafa. A discriminação fez com que buscasse ajuda para sua saúde mental, reconhecendo que precisaria de apoio para não sucumbir à depressão. “Quando comecei a me descobrir, percebi que não seria fácil e que precisaria de apoio.”

Sua maior preocupação em relação à saúde mental é a possibilidade de voltar a um estado crítico, quando já pensou em tirar a própria vida. “Tenho medo de voltar ao ponto em que pensei em tirar minha própria vida”, revelou. 

Apesar disso, a estudante tem se dedicado ao autocuidado e ao fortalecimento emocional. “Estou reaprendendo a viver, buscando o melhor para mim e para minha vida”, afirma, embora admita que às vezes tem recaídas que a levam ao isolamento.

Assim como Roberta*, grupos vulneráveis, como pessoas negras, LGBTQIAPN+, idosos e outros, sofrem impactos desproporcionais quando o assunto é a saúde mental.

Fatores como estigma, discriminação, violência e exclusão social aumentam o risco de problemas como depressão, ansiedade e uso de substâncias. Essas populações frequentemente enfrentam barreiras de acesso a serviços de saúde mental, agravadas por preconceitos nos próprios sistemas de atendimento.

Em Alagoas, o Ministério da Saúde tem ampliado a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que inclui 65 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), além de outros serviços terapêuticos e leitos especializados. A expansão da rede tem em vista melhorar o suporte para pessoas com transtornos mentais e reduzir o impacto da vulnerabilidade social sobre a saúde mental dessas populações​

Desafios e vulnerabilidades

A saúde mental da população LGBTQIAPN+ está diretamente ligada às condições sociais e culturais em que essas pessoas estão inseridas. Segundo a psicóloga clínica e especialista em saúde mental com foco na população negra, Clarissa Gomes, é impossível desassociar saúde mental de questões sociais. 

Ela explica que a marginalização e o isolamento enfrentados por esses grupos afetam diretamente sua qualidade de vida. “Uma coisa está intimamente ligada à outra. Então, quando nós pensamos nesses grupos, que são grupos mais vulneráveis na nossa sociedade, nós vemos que até tem algumas questões em comum, como, por exemplo, a marginalização, o isolamento dessas pessoas que não são incluídas em diversos lugares dentro da nossa sociedade.”, diz a psicóloga.

Para Clarissa, o aumento do nível de estresse e a falta de acesso a serviços de saúde adequados são alguns dos principais fatores que agravam essa situação. Ela destaca que as condições socioeconômicas e culturais moldam a saúde mental. 

 

Psicóloga Clarissa Gomes - Foto: Arquivo Pessoal

 

“Esses grupos acabam também tendo dificuldade no acesso à saúde mental, à saúde no geral, à qualidade de vida, aumentando assim o nível de estresse e outras questões também que acabam sendo mais dificultadas para essas pessoas”, explica Gomes. 

Ao discutir o tratamento de transtornos mentais, Clarissa ressalta que, embora os sintomas possam ser semelhantes entre grupos, o tratamento precisa ser diferenciado, considerando as condições de vida de cada pessoa. Ela chama a atenção para o perigo de simplificações no diagnóstico.

Além disso, ela critica a defasagem nas políticas públicas voltadas para a saúde mental e o acesso limitado a profissionais qualificados. O alto custo de tratamentos, aliado à falta de profissionais especializados para atender as demandas da população LGBTQIAPN+ e negra, são barreiras consideráveis.

“Ainda temos muitas coisas maravilhosas no papel, mas que, na prática, não acontece. Para ir em um médico psiquiatra hoje, é algo muito caro, um psicólogo também. E, muitas vezes, também não é um serviço especializado”, acrescenta.

Para melhorar essa situação, Clarissa acredita ser preciso um investimento maior em políticas públicas que facilitem o acesso a tratamentos preventivos e humanizados. Ela enfatiza que a prevenção é tão importante quanto o tratamento em si, destacando a urgência de mais profissionais qualificados para atender essas populações. 

Os profissionais de saúde também desempenham um papel fundamental na criação de espaços acolhedores para essas pessoas, e é necessário um esforço contínuo de psicoeducação e prevenção para combater a marginalização e o preconceito. 

“A gente precisa pensar no bem-estar mesmo, físico, psicológico, precisamos criar espaços que sejam acolhedores, onde essas pessoas se sintam confortáveis para ser quem elas são”, pontua. 

Como identificar o sofrimento e oferecer apoio?

Já para a psicóloga Laís Rosa e Silva, a saúde mental da população LGBTQIAPN+ o preconceito, a desigualdade e a exclusão têm um impacto significativo, e isso se reflete em sinais de sofrimento emocional, como perda de interesse em atividades antes prazerosas, irritabilidade crescente, alterações no sono, apetite e até mesmo problemas físicos, como dermatites e queda de cabelo. Esses comportamentos podem ser indicativos de um agravamento do sofrimento existencial, especialmente em populações já vulnerabilizadas.

Quando alguém próximo está em sofrimento emocional, o primeiro passo é abordar a pessoa de maneira respeitosa e cuidadosa. Laís ressalta a importância de perguntar à pessoa se ela reconhece esse sofrimento e se está disposta a buscar ajuda. 

“Consultar a pessoa se 1. ela compartilha dessa percepção sobre si mesma, 2. deseja buscar ajuda profissional, 3. como você pode ajudá-la a passar por isso. Costumo dizer que esses 3 passos são o ponto de partida para se colocar à disposição de alguém querido(a) em sofrimento.”, diz a psicóloga. 

 

Psicóloga Laís Rosa e Silva - Foto: Rhayane Balbino

 

Ela ainda destaca a importância de escutar antes de sugerir qualquer intervenção, com perguntas acolhedoras, como “Quer falar sobre isso?”, e alerta que frases como “Vai ficar tudo bem” podem ser prejudiciais. “Mesmo que na melhor das intenções, descredibilizam o sentir da pessoa e podem alimentar comportamentos de isolamento, autocobrança e culpa.”

A ajuda especializada em saúde mental entra quando os ajustamentos de alguns desses fatores não é suficiente para provocar mudança significativa no estado emocional da pessoa. 

Incentivar a busca por tratamento, segundo ela, pode envolver a ampliação das referências de saúde mental na sociedade, incluindo figuras públicas que falam abertamente sobre suas próprias experiências com psicólogos e psiquiatras.

Para prevenir o sofrimento emocional, Laís recomenda que as pessoas vivam conforme a sua realidade e busquem se conectar consigo mesmas. “Voltar a atenção para si mesmos(as) e ao que nos cerca, como nos sentimentos e nos relacionamos com nossa história, é parte do processo de autoconhecimento e autorresponsabilidade”. 

Saiba onde procurar ajuda 

Em Alagoas, há diversas opções para atendimento psicológico gratuito, oferecidas por instituições públicas, universidades e ONGs. Veja abaixo:

- Rede Assistencial para Pessoas LGBTQIAPN+ 

Rede de Atendimento da RAV oferece assistência especializada às vítimas de violência sexual em diversos pontos de Alagoas. Em Maceió, o Hospital da Mulher (HM) funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. O Hospital Geral do Estado (HGE) e o Complexo de Delegacias Especializadas (Code) também oferecem atendimento na capital. 

No interior, o Hospital de Emergência do Agreste (HEA), em Arapiraca, funciona 24 horas por dia, enquanto o Hospital Regional do Alto Sertão (HRAS), em Delmiro Gouveia, e o Hospital Regional do Norte (HRN), em Porto Calvo, atendem das 7h às 19h, de domingo a domingo.

- Universidade Federal de Alagoas (UFAL)

A UFAL tem um serviço de atendimento psicológico gratuito através da clínica-escola de Psicologia. O atendimento é destinado à comunidade e realizado por estudantes supervisionados.

Contato: (82) 3214-1550

- Centro Universitário Cesmac

O Cesmac também conta com uma clínica-escola que oferece serviços de psicoterapia, sob supervisão de profissionais.

Contato: (82) 3215-5027

- Centro Universitário de Maceió (Unima) 

O atendimento oferecido na Clínica de Psicologia acontece de forma contínua e para ser atendido o paciente precisa realizar a inscrição em nossa lista de espera informando RG, CPF, Comprovante de Residência, escolaridade, data de nascimento, cidade, filiação e número para contato. Já para crianças, além das documentações anteriores é necessário informar também o CPF de um representante legal.

Contato: (82) 3311-3139

- Sistema Único de Saúde (SUS)

O SUS oferece atendimento psicológico em unidades básicas de saúde (UBS), centros de atenção psicossocial (CAPS) e hospitais.

Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)

Os CAPS oferecem atendimento gratuito a pessoas com transtornos mentais graves e persistentes.

Há vários CAPS espalhados por Maceió e outras cidades de Alagoas. Consulte a secretaria de saúde da sua cidade para mais informações.

- CRAS (Centros de Referência de Assistência Social)

Os CRAS em diversas cidades do estado podem oferecer apoio psicológico gratuito ou encaminhamentos para outros serviços especializados.

Em Maceió, você pode entrar em contato com os CRAS nos bairros para mais informações sobre esse tipo de atendimento.

- Cavida

O Centro de Promoção à Saúde, Educação e Amor à Vida (Cavida) é uma Organização Não-Governamental (ONG), de caráter socioeducativo, assistência social e de promoção à saúde, sem fins lucrativos, que oferece serviços de apoio psicossocial à população e a seus familiares e de formação para profissionais da área da saúde.

O atendimento ocorre de segunda a sexta-feira, de 8h às 12h e de 14h às 18h e nos sábados das 8h às 12h. Todo o atendimento psicoterápico é presencial.

Endereço: Rua Íris Alagoense, 69, no bairro Farol, em Maceió.

*Nome fictício 

*Estagiária sob supervisão da editoria