Eu conheci o poeta Múcio Góes, pernambucano de Palmares, aí por volta de 2017. Fui levado até ele pelo amigo e divertido provocador Beto Pichilau, seu cunhado e meu companheiro de tantas caminhadas matinais.

Tetraplégico, Múcio morava já há algum tempo na casa do “caminhante”, casado com sua irmã Vinilza, de sensibilidade e paciência raras. Feitas as apresentações, tivemos uma breve e agradável conversa e fui me deparando com os seus versos cheios de humor e, o essencial, entranhado de poesia (em Haicaos, com Sandra Regina – Limiar):

Eu sou um gênio
Isso aprendi na marra
Quando dentro da garrafa
Minha vida é uma farra 

E mais: 

Moça
Ouça o que eu proponho
Se é pra cair na real
Saia do meu sonho

Não se tratava de um pândego, nada disso, mas sua postura diante da lida e da arte não deixa de ser surpreendente. Numa cadeira e sobre quatro rodas, cotidianamente, consequência de uma tragédia na juventude, não haveria de ser fácil para ninguém viver poeta, converter tristezas em espantos, no dizer de Gullar, e atravessar as noites na “solidão da lua” (Poema 34, de Jorge Cooper).    

Sempre perguntava ao Beto pelo cunhado-poeta (seus livros estão disponíveis na Amazon), e a resposta soava até monótona, por repetida: seguindo em frente, engendrando versos - como os moinhos que, girando, desconhecem o passar das horas. E ressaltava: cheio de anseios e sonhos, o que ele contemplava pela poesia:

Cedo ou tarde
Suas digitais 
Imprimem seu desejo
Em minha carne
E eu cedo...
Ainda que você tarde

Ou:

O verso 
Na ponta da língua
Poema ou beijo? 

Numa manhã de 2018 (20 de abril), Múcio Góes não mais resistiu às complicações próprias da sua condição, que só ele sabia traduzir em palavras sem se dar por abatido em pleno voo. O próprio Beto me deu a notícia, com a voz embargada, mas prenhe de uma convicção: a de que os poetas, ainda que não saibam, carregam muitas vidas com eles, vividas num modo próprio, findadas num silêncio que não se cala nunca. 

“Eu sonho um mundo menor pra gente se ver mais”, escreveu o vate, que viveu 49 anos, tempo suficiente – o que é raro nessa atividade só acessível a poucos – para se ver reconhecido por gente que ele nem conheceu: com o livro Eu sou do tipo que costura versos com a linha do Equador (2015), recebeu o prêmio da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) na categoria Melhor Livro de Poesia e foi selecionado para o catálogo brasileiro apresentado na Feira do Livro Infantil de Bolonha, na Itália, segundo um breve texto na internet. 

Esta semana, repassando seus versos e algumas lembranças que tenho dele, bati de frente com o seu shakespeariano Epitáfio para sons & versos:            

Agora sim
Este silêncio 
É um poema                          

Para poucos.