Às vezes a gente precisa de pouco para mudar o estado de ânimo, radicalmente. Na verdade, eu precisei de apenas 30 minutos, na semana que passou, para deixar a tensão para trás e entrar no território em que a alma encontra conforto e abrigo.
O caso foi assim.
Eu havia ido dormir carregando um peso do qual nunca consegui me livrar: o de saber mais do que preciso para viver. O busílis: ter as informações, mas não chegarem juntas as provas daquilo que eu gostaria e precisaria muito divulgar.
O tema da frustração é recorrente em Alagoas: a violência cometida ou acobertada pelo centro do poder local, com expectativa de novos e trágicos acontecimentos, em que a impunidade já se prenuncia garantida. Confesso que me incomodo sempre e além da conta com esses acontecimentos - pelos antecedentes locais.
Deixemos de mistério.
Acordei e o dia estava cinza, até que resolvi ver os documentários que o canal da Revista Piauí no youtube já disponibilizou sobre o Maestro Soberano – uma indicação do Carlos Melo, aqui do Cadaminuto. Na verdade, são – ou serão ao final da série – seis aulas sobre a música de Tom Jobim, Brasileiro até no nome e também por isso universal.
Conduzidos por Arthur Nestrovski, músico, escritor, crítico e apaixonado por Jobim (desculpem-me, mas isso eu também sou), vamos descobrindo, a cada episódio, uma obra de arte ser desmembrada em outras, menores e insuspeitas, não menos belas, e que compõem um rico painel sobre a mais refinada MPB.
Acompanhando com o seu virtuoso violão a ótima e afinadíssima Paula Morelembaum, o músico exerce aqui o verdadeiro papel do crítico: explicar o que é possível ser explicado numa obra de arte, chamando o espectador para dentro dela, deixando claro que a paixão não acontece tão somente ao acaso. Se não emergem defeitos é porque o especialista não identificou. Fazer o quê?
(Fato é que muitos críticos fazem do fel a sua profissão de fé, confirmando Balzac, para quem estes eram os mais castigados pela vida, por conhecerem todas as regras, mas sem que soubessem jogar. Não é o caso, seguramente, do ótimo Arthur Nestrovski).
Vi apenas dois episódios, os disponíveis, mas já fiquei encantado e, de imediato, retomei o gosto pela lida da vida cotidiana, ainda que não tenha esquecido daquilo que me empurrou para baixo, animicamente.
O poeta Ferreira Gullar dizia, com muita sabedoria, que ninguém sobrevive sem um momento de alienação – entendendo esta como a saída momentânea da dura realidade. Ainda que a música do Tom seja a mais real manifestação do melhor talento brasileiro na arte campeã de popularidade entre todas (deixo claro que é apenas a minha opinião).
E já que falei em poeta, cito aqui mais um, do mesmo tamanho: Sidney Wanderley, a quem tenho como amigo e referência intelectual (ele lançou agora um delicioso pequeno-grande livro em prosa: Poesia etc. Vale a pena conferir).
Em uma conversa regada a cerveja, no último final de semana, revelei a ele que me dou por absolutamente satisfeito com o que produzi na música, um trabalho corriqueiro e que só haverá de sobreviver entre os mais próximos. Algo assim: está no meu tamanho como artista - e que bom que eu consegui atingi-lo!
Atualizando a nossa conversa: sou um compositor da planície; Tom Jobim é o Himalaia.
Ricardo Mota