Após a cantora baiana Preta Gil revelar que teve que passar por uma amputação do reto em seu tratamento contra o câncer de intestino, o assunto gerou grande repercussão e muitas pessoas relataram ter dúvidas sobre a doença e sobre a cirurgia.

O procedimento gera mudanças no dia a dia do paciente, visto que há oclusão da abertura que seria o ânus. Em muitos casos, além de exteriorizar o intestino grosso, as fezes passam a ser evacuadas através de colostomia, que, em alguns casos, pode se tornar permanente. Tudo vai depender da remoção ou preservação do esfíncter anal, músculo situado no final do aparelho digestivo que mantém fechada a abertura do intestino grosso para o exterior, contendo as fezes, e que se abre para possibilitar a expulsão delas.

Câncer colorretal é uma doença que tem se tornado cada vez mais comum  em pessoas antes dos 50 anos. Em Alagoas, segundo pesquisa realizada pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), são estimados, a cada ano, 430 novos casos de câncer colorretal no estado. 

O Cada Minuto Entrevista, deste sábado (14), conversou com a médica coloproctologista Aline Apel. Ela explicou o que é a doença, falou sobre os sintomas e prevenção e explicou como ocorre o procedimento de amputação do reto e quais as mudanças que ele provoca no funcionamento fisiológico, digestivo e na vida do paciente.

Confira a entrevista:

O que é cirurgia de amputação de reto?

A cirurgia da amputação de reto é uma cirurgia onde se faz a ressecção de toda a parte do reto e do canal anal. Geralmente esse tipo de cirurgia pode ser com a preservação de esfíncter ou sem a preservação de esfíncter. Hoje em dia se faz mais uma cirurgia no sentido de tentar preservar o esfíncter do paciente.

Como é o processo cirúrgico?

O procedimento cirúrgico pode ser via convencional, que é abrindo a barriga do paciente; pode  ser por vídeo cirurgia, usando o aparelho de vídeo; ou pode ser até por cirurgia robótica, utilizando aqueles robôs. É feito com o paciente anestesiado, geralmente ele recebe anestesia geral, e o paciente fica internado, vai depender muito da evolução do paciente no pós-operatório. Mas em média, depois de uma cirurgia desse porte, ele fica internado de três a cinco dias, podendo ter alta antes ou depois, a depender da evolução de cada paciente.

O paciente fica com uma colostomia definitiva? Ou só em alguns casos?

O paciente pode ficar com colostomia temporária ou com uma colostomia definitiva. O que vai definir é se o paciente vai ter preservação de esfíncter ou não. Quando se faz a amputação abdominoperineal, que retira inclusive aquela parte do ânus e do esfíncter, a parte de trás é fechada, não fica mais orifício algum, e o paciente fica com uma colostomia definitiva para a vida toda. Quando é feita a preservação do esfíncter, a tentativa de preservação do esfíncter, o paciente fica com uma colostomia, na maior parte dos casos uma ileostomia temporária. Essa ileostomia geralmente é revertida depois de dois a três meses, que é o tempo que se espera que diminua o risco de deiscência da sutura do que ficou do remanescente do colo, lá embaixo, na parte perto do canal onde era o canal anal.

Nos casos em que o esfíncter não é preservado, como o paciente é afetado? O que muda?

Quando ele fica com a colostomia definitiva mudam algumas coisas de fato nos hábitos da vida. Ele não vai mais fazer cocô normalmente sentado no sanitário. As fezes vão sair sempre pela colostomia, que é como se fosse, a partir dos ânus mesmo. Aquele intestino está colado diretamente na barriga. Então, em vez de ele ir ao sanitário, as fezes vão sair na bolsinha de uma colostomia que fica em volta daquela colostomia e exige alguns cuidados diferentes de quando vai no sanitário. Vai precisar lavar, vai precisar esvaziar a bolsinha. Além de fezes, também vão sair flatos, ou seja, vão sair gases pela bolsa. Essa bolsa precisa ser esvaziada e trocada. Dependendo do tipo da bolsa tem um prazo de troca. Para o paciente é uma questão de adaptação para ele voltar a fazer a maior parte das coisas que ele fazia antes. Existem hoje vários tipos de bolsas para que o paciente tenha a melhor qualidade de vida possível. Mas o que de fato muda é que ao invés dele fazer cocô pelo ânus e sentado na privada, ele vai fazer através da bolsinha de colostomia.

Qual a preparação que o paciente deve ter antes de realizar a cirurgia? Tem alguma restrição relacionada a algum caso?

O preparo para esse tipo de cirurgia vai depender de cada serviço. Com relação ao preparo do intestino, alguns preparam com medicações laxantes para limpar o intestino, outros não fazem esse tipo de preparo, mas aí cada serviço vai ter o seu protocolo. Também existem algumas medicações que se pede para fazer antes do procedimento cirúrgico, uma delas é a medicação para impedir a trombose venosa profunda. Mas isso também vai depender de cada serviço, com quanto tempo que se começa esse preparo ou não.

Quais os tipos de câncer que podem levar a essa cirurgia? Há alguma outra doença em que ela pode ser indicada?

Os tipos de câncer que levam a esse tipo de cirurgia são o câncer de intestino, um adenocarcinoma, por exemplo, ou câncer de canal anal, que é um tipo de câncer que vem da pele, já devido à infecção por HPV (papilomavírus humano). E esses dois tipos podem levar a essa cirurgia de amputação do reto.

Geralmente, os pacientes que precisam fazer esse tipo de cirurgia têm um câncer ali bem próximo da parte do ânus, na margem mais baixa do reto. Porque quando se faz a cirurgia para câncer, é preciso deixar uma margem mínima de área sem câncer, ou seja, depois que se tira o câncer, deve-se deixar pelo menos, no mínimo, um centímetro de área sem câncer. Quando não se tem segurança de deixar essa margem cirúrgica livre de doença é feita essa amputação do reto. Quando a doença atinge alguma parte do esfíncter isso impede inclusive a preservação dele. Então essa área seria o limite para se fazer uma amputação com a preservação do esfíncter ou não.

A médica coloproctologista Aline Apel / Foto: Arquivo Pessoal

 

Como é a recuperação?

A recuperação, como qualquer outra cirurgia, exige um repouso relativo no pós-operatório. O tempo de recuperação também vai depender do tipo de cirurgia que foi feita. Se foi feita com preservação de esfíncter, onde não fica nenhuma ferida para fora ali do períneo, ou quando é feita a amputação mesmo da parte do períneo,  tem um tempo para recuperação. Deve-se ter um pouco mais de cuidado na hora de sentar-se. O tempo de recuperação também depende do tipo de cirurgia, se foi uma cirurgia convencional , se foi uma cirurgia por vídeo, ou cirurgia robótica, que são tipos de cirurgias que deixam o pós-operatório muito mais tranquilo. Muitos pacientes quando recebem alta, já recebem alta andando normal, se alimentando normalmente. A  restrição maior fica com relação a atividade física ou atividades que requerem um pouquinho mais de esforço.

Quais os riscos e complicações mais comuns?

Os riscos de uma cirurgia dessa são aqueles inerentes a qualquer cirurgia de grande porte. Os principais riscos são de um sangramento, porque vasos grandes são ligados. Existe também o risco de deiscência, que é daquela sutura grudar de novo na parte do intestino que ficou lá embaixo, pertinho da parte do ânus, então, existe o risco de deiscência, da sutura soltar. Por isso que se faz uma ileostomia de proteção. Existe o risco depois, na correção, de quando você faz a correção daquela ostomia, que ficou ali para fora do paciente fechar. Existe o risco de infecção. No entanto, embora o risco, o benefício dessa cirurgia é muito maior do que o risco que ela pode oferecer. Então, o risco, apesar de ele existir, ele não é um risco muito grande.

O que muda no funcionamento fisiológico, digestivo e na vida da pessoa que faz a cirurgia de amputação do reto?

Da parte fisiológica do paciente o que muda principalmente de fato é a evacuação. Quando é  feita a preservação do esfíncter, o paciente demora um tempo e muitas vezes não volta a evacuar como antes de fazer a amputação, porque ele perde aquele reservatório do reto. De de qualquer maneira se mexe na musculatura e isso atrapalha tanto o esvaziamento, como atrapalha a sensibilidade do canal anal, ali do reto, que percebia que as fezes estavam lá dentro. O paciente pode não ficar com a mesma capacidade de contração do esfíncter e isso é uma outra coisa que tem que ser trabalhada depois com fisioterapia, porque ele pode ficar com algum tipo de incontinência para flatos ou incontinência para fezes. O paciente tem que ter um acompanhamento multidisciplinar com um nutricionista para ver essa parte da dieta, deixar uma dieta com mais fibra.  As fezes nem pode estar dura, nem pode estar muito amolecida, pois o paciente não consegue segurar. Outra coisa importante é a fisioterapia pélvica para fazer um trabalho com a musculatura da pelve, no sentido de fortalecer essa musculatura que ficou.

Há alguma forma de prevenir o câncer de colorretal/ intestino ou o câncer de ânus?

A melhor forma de prevenção do câncer intestino é a realização de exames da colonoscopia a partir de 45 anos, independente do paciente ter algum tipo de sintoma ou não. Quando o paciente tem algum sintoma, pode ser que tenha que fazer esse exame de colonoscopia antes, mas isso vai ser avaliado com a anamnese dele, com a história dele, o que a gente encontra no exame físico para saber se tem necessidade de fazer uma colonoscopia ou não. Muitas vezes o paciente chega com uma história de sangramento, quando a gente vai conversar com ele e avaliar, o sangramento é hemorroidário. Então, um paciente jovem, que eu sei que o sangramento é hemorroidário não tem necessidade de solicitar uma colonoscopia.

Em alguns casos a gente tem que antecipar o exame da colonoscopia, como por exemplo, quando o paciente tem alguma história na família de parente mais próximo, que teve um câncer intestino com menos de 50 anos, então o exame da colonoscopia deve ser feito antes. Se o parente dele teve a doença com 45 anos, pelo menos os de primeiro grau, o paciente tem que começar a fazer o exame da colonoscopia a partir de 35 anos, ou seja, 10 anos antes da idade que o parente teve o diagnóstico de câncer. Essa é a melhor maneira para se prevenir o câncer de intestino. Não existe um exame de sangue hoje em dia, como o Cea, por exemplo, para saber se o paciente tem câncer ou não, e esse tipo de exame não se faz para rastreamento, mas como um exame prognóstico, depois que o paciente tem um diagnóstico já de câncer de intestino para acompanhar, ver como é que está o tratamento, para fazer o acompanhamento dele no pós-tratamento também. 

E com relação ao câncer de ânus, a melhor maneira de se fazer a prevenção é o exame físico, do mesmo jeito que a gente faz a colposcopia para avaliar o colo do útero, que é na mulher, onde aparece principalmente o câncer de colo de útero. O câncer de anos também vem do HPV. É muito difícil o paciente já aparecer com câncer, normalmente aparece com uma verruga, que aumenta de tamanho e pode sim se transformar em um câncer, dependendo do tipo de HPV que ele tem. A melhor prevenção para o HPV da mesma e a mesma para o câncer de colo de útero, uma delas é a vacinação contra o HPV, e depois o acompanhamento claro em consultório, e a realização desses exames preventivos, principalmente para pacientes que têm relação anal.

Ainda com relação à prevenção de câncer de intestino, fora o exame de prevenção para descobrir o câncer antes dele se transformar em uma doença ruim, ele pode ser descoberto na fase de pólipo, ainda de pólipo benigno, que são pequenos carocinhos dentro do intestino. O exame da colonoscopia consegue retirar esses pólipos antes deles aumentarem de tamanho. Este exame é feito pela própria colonoscopia. A gente já falou aqui do câncer de ânus, de canal anal, que ele vem geralmente do HPV, o câncer de intestino, fora o fator hereditário, ele tem uma relação muito grande com o ambiente externo que influencia na nossa fisiologia, daí entra na prevenção. Não fumar é um dos fatores predisponentes do câncer. O tabagismo, a obesidade, a nossa dieta ocidental rica em embutidos, são fatores que predispõem ao surgimento do câncer de intestino. Uma das maneiras de prevenir seria tentando evitar essas coisas. A bebida alcoólica também.

Quais os sintomas e em que momento a pessoa deve procurar um médico? 

Os principais sintomas de um paciente com câncer são sangramento, perda de peso sem o paciente ter tido nenhum tipo de alteração na sua rotina, fraqueza, astenia, dificuldade para evacuar, alteração do calibre das fezes, fezes que eram mais grossas e começam a vir mais finas, ou o paciente cujo intestino funcionava regularmente e começa a ter prisão de ventre, altera prisão de ventre com diarreia, alteração do hábito intestinal, dor abdominal, esses são alguns dos sintomas. Lembrando que quando o paciente tem algum tipo de sintoma, geralmente, o câncer já está em um estágio mais avançado, ele já tá com aquela tumoração maior, uma tumoração grande a ponto de dar algum tipo de sintoma como sangramento.  O ideal é que se comece a fazer as exames de prevenção a partir de 45 anos, mesmo sem ter nenhum tipo de sintoma